Sobre a Migração Digital em Moçambique

1. A migração é compulsória e calendarizada
2. Melhor experiência /qualidade/ leque de escolha do telespectador
3. Permite mais eficiente exploração do espectro radioeléctrico
4. Todo o operador deve migrar após “apagão” ou fica na ilegalidade e sujeito a interferências
5. Telespectador deve possuir conversor (STB) ou televisor digital

6. Vai ser criado um Operador (Público) de Transporte e Distribuição de Sinal
7. 300 Milhões de dólares americanos são o que vai custar aos cofres do Estado
8. A Exim Bank da China é quem irá financiar a operação
9. A Startimes, empresa chinesa é quem irá operacionalizar o processo de migração digital
10. Os conversores custarão ao cidadão moçambicano, 2 mil meticais
11. O estado não irá subsidiar os conversores
12. O governo ainda está por divulgar a estratégia da migração, faltando pouco menos de 3 meses para o apagão

O jornalismo interpretativo nos jornais semanários e os seus riscos para a qualidade da informação

Por Ernesto Nhanale

Devido às suas características, os jornais semanários têm sido caracterizados por textos do género reportagem interpretativa[1]. Este estilo de reportagem, que se verifica nas últimas décadas em muitos jornais do mundo, vem substituir o estilo descritivo no qual o trabalho principal do jornalista é relatar os acontecimentos, separando os das opiniões individuais.
Contrariamente ao estilo descritivo, no qual os repórteres procuram dar um maior espaço para que os actores das “estórias” para expressarem as suas ideias, deixando que as suas interpretações aos factos sejam feitos em espaços apropriados e claramente identificados, os artigos de opinião; no estilo interpretativo, os factos e as opiniões são misturadas, através das interpretações que os jornalistas procuram dar aos acontecimentos.

De uma forma analítica entre os dois estilos, Patterson (1997) assinala que, em muitos casos, a cobertura interpretativa é feita a partir de um processo de simplificação dos temas, agrupando vários acontecimentos e eventos de campanha dos candidatos, num quadro de enquadramentos interpretativo que os jornalistas procuram dar sobre o sucesso ou não da campanha dos candidatos[2].

Por vários factores, o estilo interpretativo configura-se como o mais predominante nas reportagens que analisamos nas edições dos jornais semanários (Savana, Domingo, Zambeze e Magazine Independente). Uma das consequências deste estilo é que o jornalista é, para além de repórter, um actor que, através das suas interpretações, procura fornecer significados aos acontecimentos que narra. E como qualquer interpretação ou opinião, há uma imensa tendência de uma cobertura não objectiva[3].
Existem diversos casos nas principais reportagens que fazem as manchetes dos jornais semanários onde os jornalistas procuram, a partir de suas próprias interpretações ou enquadramentos dar uma determinada forma a campanha dos candidatos. Podemos seguir alguns desses exemplos, nos quais sublinhamos algumas expressões que consideramos relevantes:

“Verdade seja dita, os comícios realizados pelos camaradas ao longo desta primeira semana de campanha têm muita afluência de muitas pessoas de todos estratos sociais. Para cobrir toda extensão da província, a Frelimo no namoro ao eleitorado, formou 16 brigadas, constituídas principalmente, por jovens e mulheres”. In Jornal Domingo, 07/09/14.

“Supremacia da Frelimo “ABAFA” concorrentes da cidade de Maputo. Na primeira semana da corrida eleitoral, ao nível da cidade de Maputo, foi inquestionável a supremacia do partido Frelimo que pela primeira vez, tem como concorrentes directos o MDM (Movimento Democrático de Moçambique) e a Renamo”. In Jornal Domingo, 07/09/14
”… por detrás de um caloiro há sempre um grande mestre que toca batuque para encobrir a inexperiência do seu caloiro”, Jornal Zambeze, 04/08/2014.

“Fazendo o aproveitamento da recém terminado conflito político militar opondo as Forças de Defesa e Segurança e os guerrilheiros da Renamo, Daviz Simango afirmou que votar conscientemente significa confiar em partidos políticos civis comprometidas com valores da paz, justiça social, económica e desenvolvimento do pais em vários domínios. In Zambeze, 04/08/2014

“Outro aspecto que marca a presente campanha é a diferença de meios materiais entre os concorrentes. A Frelimo em algumas circunstâncias recorre ao estado“ (….)Vários quadros históricos da Frelimo estão empenhados na caça ao voto, o que segundo alguns analistas, indicia que o partido que forma o governo não está seguro do que pode acontecer a 15 de Outubro”. In Savana, 05/09/14

As interpretações feitas pelos jornalistas aos eventos ou às actividades de campanha dos candidatos tendem a produzir avaliações negativas ou positivas sobre o curso da campanha, conforme se pode verificar nas frases sublinhadas. Trata-se de um tipo de cobertura que, logo a partida, condiciona as percepções do público sobre o que é reportado. 

Um dos problemas destas práticas, como argumenta Thomas Patterson (1997), resulta do facto de o jornalista pretender substituir os políticos, transformando-se ele próprio num actor da campanha. Trata-se de uma tendência, não só do nosso jornalismo (como acima o dissemos), que possui implicações negativas na qualidade da informação produzida sobre a campanha eleitoral.
Embora seja uma amostra muito pequena (uma semana da campanha), pode-se notar uma tendência de os jornalistas, nas suas interpretações, produzirem enquadramentos favoráveis ou desfavoráveis aos candidatos, em vez de uma cobertura objectiva e mais baseada no relato dos eventos e actividades dos candidatos. Nota-se ainda, por um lado, o interesse dos jornais em produzir enquadramentos baseados na exaltação das características dos candidatos, uns em relação aos outros; por outro lado, a tentativa de criar cenários dramáticos, nos quais ilustram-se as posições de concorrência entre os candidatos.

[1] O estilo interpretativo assemelha-se às reportagens chamadas analíticas.
[2] Patterson, Thomas E. 1997. “The News Media: An Effective Political Actor?” Political Communication 14:445-455
[3] Definições mais específicas sobre a cobertura não objectiva podem ser encontradas no artigo publicado na edição passada com o título “O partidarismo na cobertura eleitoral. O caso do jornal notícias”, disponível  aqui!

Panorama geral da distribuição da cobertura pelos partidos políticos e candidatos

Análise da primeira semana da cobertura dos media na campanha eleitoral
Ao longo da primeira semana da campanha eleitoral, a análise de conteúdo da cobertura dos media foi realizada em três jornais diários (Notícias, Diário de Moçambique e Opais), nos quatro jornais semanários (Savana, Zambeze, Domingo e Magazine Independente) e num meio de radiodifusão, a Rádio Moçambique. A análise consistiu na avaliação do número de peças assim como ao espaço dedicado aos 30 partidos políticos[1] concorrentes às eleições legislativas e provinciais, assim como aos três candidatos às eleições presidenciais (Afonso Dhlakama, Filipe Nyusi e Daviz
Simango).

Usando a presença do partido ou candidato no título do artigo, como critério de selecção do artigo, foram recolhidos 440 artigos noticiosos publicados nos oito meios de comunicação social analisados. Para o caso dos meios de radiodifusão (Rádio Moçambique) e alguns jornais como o Notícias, com espaços definidos para a cobertura eleitoral, a busca dos artigos foi realizada a partir desses espaços, identificando os que se referem aos partidos políticos e aos seus candidatos.

Tabela 1 – Distribuição da cobertura dos media pelos partidos políticos na primeira semana da campanha eleitoral de 2014.

 

 

 

 

Conforme a tabela 1, contendo a distribuição de frequência dos artigos publicados pelos meios, a Rádio Moçambique é o meio com a maior cobertura (202), seguido dos diários Opais (92), Notícias (59), Diário de Moçambique. Os jornais semanários, pela periodicidade, apresentam o menor número de artigos publicados, circulando entre os cinco (Savana) a 14 (Domingo), artigos publicados sobre as actividades de campanha dos partidos políticos.
Refira-se que estes dados não correspondem ao número de peças/artigos publicados, mas sim ao número de vezes ou espaço em que cada partido ou candidato é reportado no meio. Isto é, existem peças de reportagem que são dedicadas a dois ou mais partidos políticos, estas peças são multiplicadas pelo número de partidos políticos representados, sendo analisado o tempo dedicado a cada um dos partidos políticos. Este facto ocorre também para os jornais semanários que, em muitos casos, reportam, numa única peça, actividades de campanha de dois ou mais partidos políticos/candidatos.
Nesta primeira semana da campanha, nota-se a tendência de uma maior cobertura para as actividades do partido Frelimo (196), seguido do MDM (122) e da Renamo (110)[2] . Em termos dos meios, pode-se verificar esta tendência na RM, Notícias, Diário, Domingo, Opais. Quanto aos semanários, embora com poucos artigos, nota-se uma tendência diferente, a Frelimo com 1 artigo no Savana, comparado com os outros com 2, o Zambeze com 2 artigos para cada um dos partidos.
De uma forma geral, estes são os dados mais relevantes da distribuição quantitativa da cobertura dos candidatos nas eleições. Considerando que, semanalmente, para além das análises quantitativas trazemos alguns comentários e interpretações aos dados, baseando numa das variáveis e em alguns meios seleccionados, esta semana iremos dissertar sobre o tipo e a qualidade da cobertura oferecida pelos jornais semanários.

[1] Concorrem para estas eleições, os seguintes partidos políticos: MDM – Partido Movimento Democrático de Moçambique; RENAMO – Partido Resistência Nacional Moçambicana; FRELIMO – Partido FRELIMO; ALIMO – Partido Aliança Independente de Moçambique; PASOMO – Partido de Ampliação Social de Moçambique; MJRD – Partido Movimento da Juventude para Restauração da Democracia; PIMO – Partido Independente de Moçambique; UASP – Partido União Africana para Salvação do Povo de Moçambique; PLD – Partido de Liberdade e Desenvolvimento; PPD – Partido Popular Democrático de Moçambique; SOL – Partido Social Liberal e Democrático; PAHUMO – Partido Humanitário de Moçambique; PARESO – Partido de Renovação Social; PUMILD – Partido Unido de Moçambique da Liberdade Democrática; PEC-MT – Partido Ecologista Movimento da Terra; PAZS – Partido de Solidariedade e Liberdade; PVM – Partido, os Verdes de Moçambique; MONARUMO – Partido Movimento Nacional para Recuperação da Unidade Moçambicana; PDD/AD – Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento/Aliança Democrática; PARENA – Partido de Reconciliação Nacional; P.P.P.M – Partido do Progresso do Povo de Moçambique; UM – Partido de União para Mudança; JPC – Grupo de Cidadãos Eleitores Associação Juntos pela Cidade; PRDS – Partido de Reconciliação Democrática Social; PT – Partido Trabalhista; PANAOC – Partido Nacional de Operários e Camponeses; MPD – Partido Movimento Patriótico para a Democracia; UE – Coligação de Partidos Políticos União Eleitoral; PASDI – Partido Social Democrata Independente; PUR – Partido da União para a Reconciliação

[2] É preciso notar que a campanha da Renamo iniciou com a ausência do seu candidato, enquanto decorriam as negociações e os preparativos para a sua vinda na assinatura dos acordos de fim do conflito militar que se registou no país. Este dado pode ser importante para compreender de forma relativa a quantidade de cobertura oferecida para a Renamo, uma vez, o seu actor principal ter estado ausente nesta primeira semana da campanha eleitoral.

Debates Eleitorais, Acesso a Informação e as oportunidades perdidas (ou por perder)

Egídio G. Vaz Raposo

Os debates eleitorais se fossem radiodifundidos ajudaria sobremaneira a aumentar a consciência cognitiva dos cidadãos pelo menos para efeitos destas eleições, na medida em que estes teriam uma ideia geral e comparada dos manifestos e dos projectos de cada um dito por eles próprios

A semana que passou ficou marcada por um debate intenso ocorrido na esfera pública (tv, jornais, rádio e redes sociais) sobre a necessidade ou não de um ou uma série de debates eleitorais em que os três candidatos a presidência iriam confrontar as suas ideias e visões sobre o país.

Gostaríamos de sugerir que estes debates de facto devem acontecer por uma série de razões que de passo passamos a mencionar.

1. Os debates eleitorais aumentariam a consciência cognitiva dos moçambicanos
Somos uma sociedade de baixa informação tal como nota o estudo de Carlos Shenga e Robert Mattes: “Cidadania acrítica numa sociedade de baixa informação: os moçambicanos numa perspectiva comparativa”. Em Moçambique, apenas um em cada cinco moçambicanos é que é capaz de dizer quantos mandatos é que o Presidente pode cumprir (dois mandatos). Nas zonas rurais, esta cifra cai para os 16%. Mais grave, o Presidente Guebuza vai a reforma com apenas 20% da população moçambicana a conhecer-lhe pelo seu nome completo! Em termos de consciência cognitiva (quantidade de informação que as pessoas possuem sobre política e democracia; sua exposição à informação através de fontes típicas tais como a rádio, a televisão e órgãos de informação impressos ou através de fontes alternativas, tais como amigos e vizinhos etc.) o mesmo estudo indica que os nossos índices são baixos: apenas 13% dos moçambicanos lêem regularmente jornais; 8% todos os dias e 5% algumas vezes por semana; 16% dos moçambicanos assiste programas noticiosos de televisão todos os dias e 8% algumas vezes por semana. Aproximadamente apenas 40% da população moçambicana tem interesse na política. Este todo intróito era para dizer que os debates eleitorais se fossem radiodifundidos ajudariam sobremaneira a aumentar a consciência cognitiva dos cidadãos pelo menos para efeitos destas eleições, na medida em que estes teriam uma ideia geral e comparada dos manifestos e dos projectos de cada um dito por eles próprios.

2. Os debates eleitorais aumentariam a audiência
Na verdade, um debate eleitoral a três colocaria muitos moçambicanos colados aos receptores do que qualquer outra actividade política nesta campanha. Em termos de audiência, um debate eleitoral a três colocaria quase todos moçambicanos ligados seja a rádio, seja a tv e se informariam directamente e de forma critica sobre os manifestos, planos e prioridades de cada um dos candidatos, sem intermediários.

3. Os debates eleitorais reforçam a identificação partidária dos eleitores
Ao contrário do que se teme, estudos mostram que os debates eleitorais fortalecem a ligação dos partidários com seu candidato independentemente do que se pode concluir (vitória ou derrota no tal debate). Em “Political Campaign communication. Principles and practices”, Judith Trent e Robert Friedenberg argumentam que os debates eleitorais reforçam as convicções políticas dos eleitores em relação às suas opções ou candidatos. Pelo que, teoricamente, não há motivo para temer um debate eleitoral a três.

4. Os debates eleitorais activam indecisos e ajuda a clarificar as mensagens
Os debates eleitorais são igualmente um momento em que os candidatos aproveitam o ensejo para justificar ou clarificar alguns equívocos, desvios de interpretação bem como activar os indecisos e absentistas. Num momento em que os moçambicanos se debatem com baixos índices de votação, os debates eleitorais poderia ajudar na elevação dos níveis de interesse e de confiança dos votantes para com estas eleições.

5. Os debates eleitorais ajudam na definição da agenda dos votantes
Os manifestos eleitorais feitos pelos três partidos não tiveram uma ampla participação e envolvimento dos cidadãos, como podia se esperar. Três semanas depois do início da campanha, os próprios candidatos aperceberam –se de alguns aspectos mais salientes, outros minimizados em suas agendas e ainda outros mal abordados. As verdadeiras prioridades dos cidadãos vêm a tona à medida que os candidatos se fazem ao campo. Os debates eleitorais são um momento único em que finalmente os assuntos do povo são discutidos e analisados na perspectiva de governação.

6. Os debates eleitorais aumentam os níveis de conhecimento do eleitorado sobre os assuntos pertinentes
Tal como referenciado no ponto 1, somos uma sociedade de baixa informação, praticamente com muito pouco acesso a informação política de qualidade. Ouvir directamente dos candidatos e de forma cruzada os seus manifestos aumenta sobremaneira os níveis do conhecimento dos cidadãos sobre temáticas políticas.

7. Os debates eleitorais modificam a imagem dos candidatos. Pior do que está não sai
Isso mesmo. Os debates eleitorais só podem melhorar a imagem de um candidato. Pior do que está não é possível. Os políticos, ao se fazerem ao debate têm a nobre missão de convencer o eleitorado sobre três aspectos concretos
a) a sua aptidão para o cargo
b) a sua prontidão para assumir o cargo
c) a sua competência técnica e a exequibilidade do seu programa para o bem maior.
Assim, candidatos menos conhecidos têm maiores possibilidades de solidificar a sua imagem junto dos públicos e potenciais eleitores. Existem porém uma proporcionalidade inversa entre a participação nos debates eleitorais e o melhoramento da imagem dos candidatos. Candidatos mais conhecidos raramente vêm sua imagem alterada com o debate ao passo que candidatos menos conhecidos usam destes debates para finalmente solidificar a sua imagem.

8. Os debates eleitorais fortalecem a democracia e satisfazem os cidadãos
O princípio popular segundo o qual os políticos governantes são nossos servidores fortalece-se quando candidatos são expostos ao escrutínio cruzado e público, mediado pelos órgãos de informação. Por estas razões todas, somos de opinião de que os debates são sim prementes e deviam acontecer.

A Construção discursiva das mensagens mediáticas em torno dos candidatos presidenciais

Constantino Luciano Gemusse

Somos da opinião de que em processos eleitorais, a cobertura jornalista deve ser neutra; o jornalista deve procurar construir um discurso equilibrado sempre que possível, despir-se das suas marcas ideológicas para que não entre em conflito com a verdade e a objectividade da narrativa, garantindo assim a pluralidade e diversidade da cobertura jornalística.
As narrativas são dispositivos argumentativos que utilizamos em nossos jogos de linguagem. As narrativas jornalísticas constituem as estratégias organizadoras do discurso jornalístico. Ajuda-nos a compreender a lógica da construção do discurso e dos significados através da reconfiguração do acontecimento jornalístico, seus conflitos, episódios funcionais, personagens, estratégias de objectivação (efeitos de real) e subjectivação (efeitos poéticos) e do “contrato cognitivo” entre jornalistas e audiência.

De acordo com que nos propusemos a discutir e suportando-se nos pressupostos acima referenciados, depreendemos que tanto a media privada assim como a pública, têm uma tendência quase uniforme em construir uma narrativa discursiva com significado manifesto (aparente) sobre objecto (candidato) da Frelimo, expondo tendências e interesses conflituantes. Para além da espectacularização do discurso, denota-se também que há tendência de se construir um discurso simbólico e monossêmico (abertos à poucas interpretações) da parte dos eleitores. E em última analise, tende a construir um discurso visceralmente dominante que tenta-se promover a imagem do candidato da Frelimo de forma ostensivamente positiva.

Contrariamente aos candidatos do partido MDM e da Renamo, o discurso jornalístico tende a tomar um pendor ambíguo, implícito e latente (oculto) sobre os objectos (candidatos), ou seja, os jornalistas não exploram os manifestos e discursos dos candidatos devidamente e também pode-se constatar nas suas narrativas discursivas a questão de vitimização e os alguns constrangimentos decorrentes da campanha e a situação tende acentuar-se na TVM, onde a lógica narrativa do discurso tende a construir sentidos de rotularização, vulgarização, ridicularização dos partidos da oposição mesclados de conflitos e violência, como por exemplo, o foco que a media dá às deserções e as filiações dos militantes dos partidos da oposição à favor do partido Frelimo e o contrário, não acontece. De forma generalizada, tende-se a construir um discurso polissémico (abrindo a múltiplas interpretações e construção de sentido) sobre as imagens dos candidatos e seus partidos no eleitor.

No nosso entender, julgamos que a cobertura jornalista nos processos eleitorais, particularmente em campanhas eleitorais, deve ser neutra, o jornalista deve procurar construir um discurso equilibrado procurando sempre que possível, despir-se das marcas ideológicas no seu discurso para que não entre em conflito com a verdade e a objectividade da narrativa, garantindo assim a pluralidade e diversidade da cobertura jornalística

O partidarismo na cobertura eleitoral. O caso do Jornal Notícias

Ernesto Nhanale

A análise feita no jornal Notícias permite-nos concluir que existe uma tendência de produzir enquadramentos discursivos positivos sobre a campanha de Filipe Nyusi e da Frelimo em detrimento dos restantes, que gravita entre neutro e negativo. Por outro lado, MDM e Renamo e respectivos candidatos presidenciais são tendencialmente positivos nos órgãos de informação privados.
Neste segundo número do observatório da cobertura dos media à campanha das eleições gerais de 2014, iremos dedicar à análise da variável que procura descrever a tendência da cobertura, sob ponto de vista da neutralidade ou não dos jornalistas.

Para o efeito, iremos considerar os artigos publicados no Jornal Notícias. Analisar este jornal expressa para nós a continuidade das reclamações que vêm dos diversos sectores da sociedade sobre a cobertura dos media do sector público na presente campanha eleitoral. A este propósito, Tomás V. Mário produz um texto de leitura indispensável na edição do Jornal Savana de 19 de Setembro de 2014, com o título “Comunicação social e eleições: quem vigia o vigilante?”.

Embora seja considerado difícil estabelecer uma cobertura jornalística objectiva, em diversos níveis que não interessam aqui mencionar, os rituais, as práticas, a ética profissional e a necessidade de garantir a credibilidade profissional, indica que o trabalho da cobertura jornalística deve seguir-se pela objectividade que expressa a necessidade de o jornalista ser neutro, aplicando diversos procedimentos, como “limitar-se ao factos”, “separar as opiniões pessoais ou do jornal das notícias”, “evitar a adjectivação”, “garantir igual acesso aos candidatos ao espaço do jornal”, “respeitar o direito ao contraditório, em casos de disputas”, etc[1]. Como definição, entenderíamos melhor o sentido da objectividade a partir do seu antónimo, a parcialidade, isto é, sempre que o jornalista tomar algum partido na sua cobertura, estaria a agir de uma forma não objectiva.

E como é que o jornalista pratica ou não a objectividade? O jornalista é objectivo quando procura fazer um relato discursivo que “deixa os factos” falarem e a opinião ao critério do leitor, funcionando, simplesmente, como “mediador” entre os protagonistas/os factos (neste caso os partidos políticos e os actores das campanhas) e o público. Verificamos a quebra da objectividade, quando o jornalista tende, com a sua participação na notícia/reportagem que escreve, procura ser também um actor dos factos ou tende a condicionar a interpretação dos factos aos leitores, a partir dos enquadramentos que faz nas suas descrições. Na cobertura eleitoral, tal acontece a partir da tentativa de classificar ou adjectivar a campanha dos candidatos, sobretudo quando se procura fazer interpretações e condicionar a percepção do público sobre o curso da campanha eleitoral.
Na nossa análise, procuramos captar estes efeitos a partir de uma variável que designamos tom da cobertura eleitoral, através dos títulos e nas descrições feitas pelo jornalista o tipo de adjectivações que são oferecidas. Neste sentido, categorias são fundamentais da variável tom de um determinado enunciado que pode ser positivo, negativo e neutro. O tom positivo é definido por uma afirmação favorável sobre um determinado candidato; o tom negativo por uma afirmação desfavorável e o neutro por uma afirmação não favorável nem desfavorável[2] .

A análise feita no jornal Notícias sobre estas variáveis mostra que, embora predominem artigos com classificados como neutros em relação aos partidos da oposição, em relação ao partido Frelimo, existe uma tendência de produzir enquadramentos discursivos positivos sobre a campanha do seu candidato. Podem ser encontrados exemplos disso, nos artigos publicados sobre as sondagens e a ilustração de apoios assim como aceitação popular da campanha do seu candidato, como pode ilustrar este exemplo: “apoio a Filipe Nyusi: avolumam-se iniciativas”; “avolumam-se, diariamente, pelo país, as iniciativas de apoio ao candidato do partido Frelimo”, Edição de 21 de Agosto.
Este exemplo nota que, em vez de o repórter do jornal, relatar o número de iniciativas de apoio que presenciou, o que ilustraria factos, classifica o acto sob ponto de vista de crescimento, indicando o aumento de iniciativas de apoio ao candidato, sem que tal tivesse alguma comparação objectiva. Trata-se aqui, como noutras vezes, o tipo daquilo que se considera de cobertura positiva, tentando demonstrar o sucesso da campanha da Frelimo.
Podemos fundamentar melhor esta tendência da cobertura positiva a partir de três títulos da campanha dos candidatos, publicados no dia 18 de Setembro que podem constituir um bom exemplo para uma melhor compreensão da tendência da cobertura positiva da Frelimo, no Jornal Notícias:

  • CAMPANHA ELEITORAL – Frelimo partido de realizações
  • CAMPANHA ELEITORAL – Dhlakama promete mudanças
  • CAMPANHA ELEITORAL – Simango hoje em Inhambane

Estes títulos que compõem a montra e a maneira como o texto deverá ser entendido, colocando a Frelimo, numa posição de qualidade diferente aos outros, ao ser um partido de realizações, isto é, um partido que faz coisas acontecerem; por seu turno, Dhlakama, um homem de promessas (promessa é algo que pode não se cumprir) e o Simango, em Inhambane, um enquadramento que busca ilustrar uma simples ocorrência de cumprimento de calendário de campanha.
Estes são alguns exemplos dos vários, qualitativamente seleccionados para discutir a questão, sobretudo no Jornal Notícias. Por acreditarmos que a tendência da cobertura dos candidatos Daviz Simango e Afonso Dhlakama em alguns semanários tende a ser positiva e a do candidato da Frelimo, Filipe Nyusi, negativa, voltaremos na próxima semana com uma análise da mesma variável nos semanários. Ainda na próxima semana, iremos fornecer os dados quantitativos da tendência da cobertura na primeira semana da campanha, neste momento, em processo de apuramento e verificação.
Muito obrigado por nos acompanhar!

[1] – Quem estiver interessado em aprofundar um pouco mais sobre esta matéria da retórica e da prática da objectividade, recomendo que lei dois textos interessantes: TUCHMAN, Gaye “A objectividade como ritual estratégico: uma análise das noções de objectividade dos jornalistas”. In TRAQUINA, N. [Org.] (1999). Jornalismo: Questões, teorias e “estórias”. 2ª ed. Lisboa: Veja. pp. 74 – 90.; Jay Rosen, “Para além da objectividade”. In Revista Comunicação e linguagens, n° 27, Fevereior de 2000.

[2] – SERRANO, E (2006). Jornalismo político em Portugal: A cobertura de eleições presidenciais na imprensa e na televisão (1976-2001). Lisboa: Edições Colibri.

Campanha eleitoral: como os partidos políticos estão a conduzi-la?

Compulsando sobre o espaço virtual da internet é, nesta campanha eleitoral, o maior repositório de informação e supera de longe as outras campanhas, tendo em conta que a largura da banda e a proliferação de serviços de internet e de telefonia móvel cresceu, desde 2009.
Em Moçambique, circulam mais de 2 milhões de telemóveis de terceira e quarta geração (smartphones) que possibilitam o acesso à internet e com ela, o acesso e troca da informação.

Ora, como os partidos e respectivos candidatos estão a usar este espaço virtual é algo que ainda precisa ser estudado com necessário detalhe, mas desde já, podemos afirmar que existem desafios enormes que precisam ser superados em pelo menos cinco dimensões: na organização e otimização da informação, na canalização das mensagens, na promoção do engajamento e criação de conteúdo.

Organização Da Informação
Apesar desta campanha eleitoral ter disponível os manifestos eleitorais, eles são menos discutidos. Outro tipo de material de campanha como logótipo, banners, stickers, cânticos etc; manifestos dos candidatos, palavras de ordem, gingles, vídeos do candidato, resumo de reuniões e comícios, testemunhos etc., não se encontram disponíveis num único repositório. A informação encontra-se espalhada em vários suportes e formatos e plataformas, o que exige dos leitores ou potenciais eleitores, um exercício complexo de colecta de informação.

Fragmentação Das Mensagens
Todos os partidos políticos estão a usar a estratégia que apela a todos sectores da sociedade. Tal estratégia é em inglês conhecida por catch all startegy. Gerir esta estratégia tem riscos, principalmente, quando as mensagens não são bem articuladas. Por exemplo, gerir mensagens de Mudança e Continuidade pode sugerir uma contradição se os “campaigners” não conseguirem estabelecer uma relação inteligível entre elas. Assim, por exemplo, os longos manifestos poderiam ser resumidos em uma única folha A4 com apelo a infográficos e outros recursos visuais, capazes de tornar as mensagens inteligíveis e de fácil compreensão. Tal procedimento poderia facilitar por exemplo a sistematização das mensagens capazes de ser apresentadas durante as aproximações porta-a-porta.

Fraco Engajamento
Este aspecto é mais visível. Os membros e simpatizantes dos partidos políticos notabilizaram-se em publicar e publicitar a campanha dos seus partidos ou candidatos. Mas poucos se preocupam com os níveis de engajamento. Na verdade ao usarmos as plataformas digitais ou online para campanhas eleitorais, o principal objectivo não é apenas informar mas sim engajar os internautas no debate favorável. Tal não está a acontecer. Listservs (grupos de discussão comonline como YahooGroup ou GoogleGroup), páginas únicas de candidatos, canais de YouTube e de personalidades de referência bem como quiosques online de informação ajudariam a resolver a profusão das mensagens. Na verdade, precisa haver um LUGAR onde as pessoas podem aceder para ver, ouvir e escrever.

  • Fraco Conteúdo
    As campanhas de todos partidos produzem muito pouco conteúdo útil para o engajamento dos cidadãos como para a promoção da utilidade destas eleições. Alguns temas que estão a faltar nas campanhas são:
    Lista de nomes de candidatos a deputado da assembleia da República e Provincial – cada um destes tem o potencial de puxar pelo seu eleitorado, pelo seu círculo eleitoral
  • Dados biográficos de alguns deputados elegíveis
  • Promessas de deputados
  • Iniciativas de lei em carteira
  • Resultados dos trabalhos e impacto na legislatura passada
  • Paz, segurança e desenvolvimento

Fraca integração de recursos: web, redes sociais e e-mail
Não há integração entre o Facebook, E-mail e Website dos partidos políticos. Normalmente, TODO conteúdo deveria ter no website seu repositório. Deveria ser de lá que internautas partiriam para vários canais para de novo lá regressarem. Os canais sociais deveriam ser alimentados pelo website e não por grupos isolados de simpatizantes. A criação de uma equipa para campanha online, melhoramento dos canais de comunicação e das redes sociais, estabelecimento de metas concretas para engajamento e impacto poderia ajudar a reorganizar a forma como as mensagens são passadas pelas redes sociais da internet e outras plataformas digitais. Desenhar estratégias para a otimização do uso do email e da newsletter para que no fim, a campanha se promova como Uma Loja, Um Quiosque De Informação.

Os jornalistas e os riscos da cobertura partidária: uma análise da orientação temática da produção noticiosa no período da pré-campanha das eleições gerais de 2014


Ernesto Nhanale(*1)

Para a análise da pré-campanha eleitoral, elegemos como variável de análise a orientação temática da cobertura feita. Dez meios de comunicação analisados, nomeadamente, os Jornais Notícias, Diário de Moçambique, Opais, Savana, Zambeze, Domingo, Magazine Independente, Canal de Moçambique, A Verdade e Rádio Moçambique (RM)(*2) , no período de 20 a 31 de Agosto, foi recolhido um total de 38 artigos, abrangendo actividades de pré-campanha de 05 dos 30 partidos e movimentos políticos concorrentes às eleições.

Segundo a tabela abaixo, o partido Frelimo foi o que teve o maior número de artigos publicados, durante a pré-campanha, seguido do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), depois da RENAMO; depois, o Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento/Aliança Democrática e Partido do Progresso do Povo de Moçambique. O resto dos partidos e movimentos não tiveram nenhuma aparição na imprensa, neste período.

Por outro lado, dos dez meios analisados neste período, somente 07 (Notícias, Opais, Savana, Zambeze, Domingo, Magazine Independente e Rádio Moçambique) tiveram atenção em questões eleitorais. A tabela 2 permite visualizar a distribuição dos artigos analisados pelos sete meios analisados, neste período.

Destes artigos, foi feita a análise do enquadramento temático dado pelos jornalistas à cobertura dos partidos políticos. Vamos, em primeiro, definir e apresentar a variável de enquadramento temático na cobertura eleitoral.
O enquadramento das matérias é uma das variáveis usadas em diversas análises de cobertura de campanhas eleitorais, sobretudo nas que mais se preocupam com o tipo de construções que os jornalistas fazem dos assuntos. De acordo com Norris e Patrick , os enquadramentos podem ser classificados em 4 categorias: corrida de cavalos, personalista, temático e episódico.

O enquadramento “corrida de cavalos”/estratégico ocorre quando a cobertura dá enfoque à posição dos candidatos na disputa ou às suas estratégias para manter ou modifica o quadro de concorrência. Chama-se por vezes por cobertura estratégica, usando a metáfora de jogos, onde os candidatos apresentam-se como ganhadores ou jogadores que reportados, muitas vezes, em sondagens de opiniões. Quando a preocupação do jornalista é focalizar as características pessoais do candidato, o enquadramento é chamado personalista. O enquadramento episódico é o que dá mais enfoque às ocorrências do dia-a-dia da campanha; e o enquadramento temático situa-se no âmbito de debates a respeito de propostas apresentadas pelos candidatos.
Para além destas quatro categorias, foi acrescentada mais uma, o enquadramento dramático. A televisão mede-se muitas vezes pelo espectáculo, envolvendo situações de conflito. O enquadramento dramático resulta, muitas vezes do valor notícia de construção chamado drama. Segundo Traquina (2007), a dramatização tem sido um elemento que ilustra as controversas dos políticos, uns acusando os outros, fazendo enfoque ao lado conflitual e emocional da “estória”.

Neste período de pré-campanha, grande parte dos artigos publicados tiveram uma orientação mais de corrida de cavalos, ilustrando os espaços e o protagonismo que os partidos iam assumindo. Esta tendência de cobertura foi também alimentada por algumas sondagens de tendência de voto realizadas, durante os momentos da pré-campanha. Também é preciso realçar o facto de esta categoria ter muitos artigos classificados, não pela conta da sondagem eleitoral, mas por várias citações e menções comparativas feitas pelas fontes de informação da vitória dos candidatos, algo que também poderia ser classificável na cobertura episódica.

Exemplos de Cobertura Corrida de Cavalos:
“ No distrito de Katembe, Filipe Nyusi ganha com 65 por cento, dos 63 inquiridos, contra 21 por cento de Daviz Simango e quatro por cento de Afonso Dhakama” (Jornal Notícias de 26, Agosto de 2014)
“ Em Inhambane a situação política é favorável à Frelimo e o seu candidato Filipe jacinto Nyusi”, (Jornal Notícias de 29, Agosto de 2014)
“Corrida de cavalos nota: a fonte fala de informação fala do objectivo da campanha e cita a vitória expressiva do partido e seu candidato. Sendo que há falta de coesão entre o Intro dado pelo jornalista e as palavras da fonte” (Rádio Moçambique, 28 de Agosto de 2014).

Num segundo plano, encontra-se a cobertura episódica, ilustrando os preparativos e apoios do lançamento da campanha eleitoral pelos partidos políticos, sobretudo do candidato da FRELIMO.

Exemplos de Cobertura Episódica:
“Avolumam-se diariamente, pelo país, as iniciativas de apoio de candidato do partido da Frelimo, Filipe Jacinto Nyusi, às eleições presidenciais de 15 de Outubro próximo. Na cidade de Maputo, os dirigentes da Associação Anyusi estiveram ontem envolvidos numa jornada de acção social e de angariação de mais membros para a agremiação, na Praça 25 de Junho, num evento, que visou os polidores de viaturas da baixa capital e as vendedoras de porto de Maputo” (Noticias, 2014-08-21)

“O candidato presidencial da Frelimo às eleições presidenciais de 15 de Outubro, Filipe Nyusi, manifestou, semana finda solidariedade com os mineiros moçambicanos, que trabalha nas minas de Maricana, região sul-africana de Rustenrere, e garantiu que eles estarão na sua agenda de governação” (O País, 2014-08-24)

“está tudo aposto para o arranque da campanha” ( Rádio Moçambique, 29-08-2014)

“fala-se do que será a campanha da Renamo a partir de Domingo” (Rádio Moçambique, 30-08-2014)

A cobertura temática foi também muito destacada na pré-campanha do candidato da Frelimo. O mesmo ocorreu em relação à cobertura personalista que, no caso particular, no Savana teve uma tendência de destacar a personalidade dos outros candidatos às presidenciais, buscando algumas análises comparativos dos perfis.
De uma forma geral, pode-se notar na semana da pré-campanha pouca cobertura. Mesmo sem ser objecto de análise, com uma tendência de “positivização” da Frelimo e do seu candidato, sobretudo nos jornais Notícias e na Rádio Moçambique, conforme iremos mostrar no nosso próximo número, onde iremos explorar a variável de orientação da cobertura entre positiva, negativa e neutra.
Esperamos que nos acompanhe, semanalmente. No final, com o relatório global da cobertura da campanha eleitoral.

(*1) Pesquisador do CEC e coordenador do Observatório da Cobertura Eleitoral de 2014 realizada pelo CEC e o SNJ.
(*2) este período, não foi inclusa a análise ao conteúdo das televisões, devido às dificuldades de acesso aos materiais produzidos.

Mulheres gestantes: nove meses de injustiça, fadiga e humilhação

A incongruência entre as leis que protegem as mulheres gestantes e a realidade que estas vivem no seu quotidiano, fazem da gravidez um novo ciclo de luta pelos direitos da mulher. Foliana e Maria, são um exemplo desta batalha.“…Pus a minha saúde em risco. Até tive problemas com a minha família, mas não podia cruzar os braços, tinha que lutar e buscar o pouco que ganhava para ajudar o meu marido.”

Dar à luz é um processo biológico natural que só a mulher tem a oportunidade de vivenciar. Durante nove meses carrega consigo uma nova vida, um momento em que a alegria e o privilégio de poder gerar um novo ser dilui-se com desrespeito e a consciência da sua vulnerabilidade. Embora seja uma experiência única, nem sempre decorre em condições adequadas.
Foliana Mateus Chilenge, de 33 anos de idade é mãe de dois rapazes e espera o seu terceiro filho. Cozinheira de formação, mas há oito anos exerce a profissão de empregada doméstica, um trabalha que classifica como complicado e por isso decidiu para até que o seu filho nasça, pois as recordações que tem da sua segunda gestação não são das melhores.

 

“Eu sabia que a minha patroa não queria mais ninguém a trabalhar na casa dela e eu tinha muito medo de perder o emprego, então preferi ir trabalhar mesmo depois de ter tido um parto complicado, que foi cesariana. Pus a minha saúde em risco. Até tive problemas com a minha família, mas não podia cruzar os braços, tinha que lutar e buscar o pouco que ganhava para ajudar o meu marido.”
Em Moçambique casos como o de Foliana encontram abrigo na lei do Trabalho no ponto “Maternidade e trabalho” (artigo 12) -Licença de maternidade, que estabelece que mulheres trabalhadoras têm direito a uma licença de maternidade de 60 dias, com salário integral, pago pelo sistema de segurança social. Esta é aplicada igualmente aos nados vivos ou mortos. Caso o quadro clínico da mãe ou da criança a impeçam de trabalhar, ela tem direito a uma licença antes do nascimento por um período necessário, obedecendo a prescrição médica. A gestante tem ainda, segundo a Lei do Trabalho direito à garantia salaria, o que significa que deverá continuar a receber o seu ordenado normalmente.

Garantia salarial (Artigo 27 do Decreto 53/2007- Sobre o sistema de segurança social obrigatório para trabalhadores)

Durante o prazo da licença de maternidade (60 dias), as mulheres têm direito a prestações pecuniárias do sistema de segurança social. Embora a lei moçambicana proteja a gestante no que diz respeito a licença à maternidade e a garantia de salário durante este período, ainda se vivem muitos casos de irregularidade, como o de Foliana Mateus. Muitas vezes esses casos são derivados do desconhecimento das mulheres sobre as leis e normas que protegem o cidadão, um indicador de que o trabalho de divulgação destas mesmas leis necessita de um melhoramento.

Não só a Lei “viola” a mulher gestante, mas também a própria sociedade

“…minha chefe já teve a coragem de dizer-me que está farta de trabalhar com mulheres e que dali por diante queria trabalhar apenas com homens…”
Sentada num banco na ala de maternidade do Hospital Geral de Chamanculo junto a tantas outras, encontramos uma jovem mulher de 23 anos. Ela mostrou-se aberta a partilhar as suas experiências no que diz respeito ao universo da gestação, mas antes que a entrevista tivesse inicio pede que por questões de segurança o seu nome seja mantido em sigilo. Chamemo-la Maria Antonieta.
Maria já saboreou a experiência de ser mãe, tem uma filha de Três anos e encontra-se agora no quarto mês de gestação do seu segundo filho. Mensalmente vai a consultas inclusas no pacote pré-natal, para monitorar a saúde de seu filho.

Sobre o atendimento no hospital ela não tem nenhuma queixa, embora, segundo ela, o tratamento hospitalar a nível geral seja mau, contrariamente à maternidade, que é uma das que melhor funciona. A inquietação de Maria provem de outros fóruns, a questão profissional é uma delas.
Ela é professora na Escola Primaria Completa de Bokisso, em Maputo. Embora conheça os seus direitos enquanto gestante, ainda depara-se com situações a que considera pouco dignas para qualquer profissional. A nossa entrevistada segreda-nos que esta é a primeira vez em que tem que trabalhar estando grávida, e diz constituir surpresa para ela o comportamento de seus superiores com relação a sua gestação.

“Não há respeito. Muitas vezes tive que ‘engolir sapos’ para não perder o meu emprego, porque se quero ajudar o meu marido devo ser paciente. Nos dias em que tenho consultas submeto cartas a solicitar dispensa, mas o meu director costuma indeferir, alega que sempre submeto em cima da hora, mas isso não é verdade, é só uma desculpa para não permitir que eu saia. Hoje (dia da entrevista) por exemplo, estou cá no hospital, mas saí sem informar e posso ser descontada, porque até já sofri essa ameaça de desconto.”

Maria faz menção a episódios ainda mais dramáticos:
“Já tive situações que me deixaram mais indignada. Pensei que nós, mulheres, fôssemos apoiantes umas das outras, pois partilhamos das mesmas experiencias e dores, mas agora acho que nada mais me surpreende. Tanho uma chefe que já teve a coragem de dizer-me que está farta de trabalhar com mulheres e que dali por diante queria trabalhar apenas com homens, pois as mulheres davam-lhe muito trabalho, por estarem toda a hora grávidas. Por incrível que pareça, ela é mãe de cinco filhos.”

Mesmo Conhecendo os seus direitos, Maria diz no saber como agir perante estas situações. Por várias vezes pensou em denunciar os chefes mas, porque todos, família e colegas de trabalho temem pela sua segurança e emprego, a desincentivam. Maria decidiu manter-se em silêncio embora receie que as coisas piorem após o nascimento do filho.
“Não sei como vou lidar com a situação. O salário é pouco para pagar uma babá e também sei que devo dar leite do peito pelo menos durante os primeiros seis meses.”
No capítulo de amamentação, a Lei do trabalho, no seu artigo 11.1, estabelece que durante um ano, a mulher deve beneficiar do enfermagem breaks, uma pausa diária com a duração de uma hora, que pode ser gozada em um intervalo, tirado de uma única vez ou repartido em dois períodos ao dia. A enfermagem breaks é permitida à mulher trabalhadora de modo que possa amamentar seus filhos. Estas pausas devem ser totalmente pagas e são consideradas como tempo de trabalho.

Maria serve-se do seu próprio caso para concluir que “este instrumento [Lei do Trabalho] é inoperante.” Ela vive na cidade de Maputo e precisa de duas horas para chegar ao local de trabalho, distância percorrida com recurso a dois ‘chapas’ e um pequeno troço concluído a pé. Futuramente, ficará assim descartada a possibilidade de esta tirar a hora prevista para regressar à casa amamentar o seu bebé.

As viagens diárias da nossa entrevistada tornam-se ainda mais cansativas quando, dentro do autocarro não consegue um assento, tendo que fazer as viagens de pé. As duas mães que trazemos nesta reportagem comungam desta mesma realidade: viagens longas e nada cómodas.

A equipe do CEC escolheu um dia para acompanhar o percurso da primeira entrevistada, Foliana Mateus, que saía de Nkobe em direcção à Baixa da cidade (Anjo Voador). Tomamos um autocarro da Empresa Municipal de Transportes Públicos de Maputo (EMTPM). Eram 11 horas. O autocarro estava lotado, não havia um só assento livre. Havia passageiros de todas as idades. Foliana foi a primeira a subir, e nós seguimo-la. É regra, naqueles autocarros, entrar-se pela porta traseira e, uma vez dentro do carro o passageiro deve, a todo o custo, tentar afastar-se, pelo corredor, em direcção à porta frontal, para dar espaço aos passageiros que vão entrando ao longo da viagem. A ser feita essa leitura, pode-se calcular que durante as cerca de uma hora e meia de viagem, Foliana tenha sido vista pela maioria dos passageiros que passaram pelo autocarro, no entanto, ninguém se dignou a ceder o assento a esta senhora gestante, já com seis meses de gravidez. Ficou evidente a quebra das regras de civismo social que recomendam que se ceda assento e vaga (nas filas) a mulheres grávidas, idosos, deficientes físicos e pessoas que carreguem bebés ao colo.

Falta foco do Governo na promoção e execução dos ODM
O estado de gravidez não é sinónimo de doença, mas é motivo para se estar alerta pois é um estado de vulnerabilidade para a contracção de muitas doenças, com especial atenção para as de fundo infeccioso como a malária.
Segundo refere Olga Sigauque, do Departamento de Saúde materno-infantil do Ministério da Saúde (MISAU), o Estado tem vindo a trabalhar com vista a melhorar a situação da mulher e criança no país, buscando oferecer melhor atendimento hospitalar, plano que está relacionado ao alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). O actual pacote de atendimento à mulher (pré-natal) inclui o tratamento de uma grande quantidade de doenças, sendo este composto por uma forte bateria de exames que, segundo Sigauque, nos últimos anos sofreu readaptações com a introdução do exame de HIV/SIDA que passou a ser obrigatório para as gestantes.
A saúde da mulher gestante e da criança mereceu também uma especial atenção por parte dos governos de muitos países, ao ser colocada como um dos pontos ODM anteriores, que determinavam que até 2015: se reduzisse em dois terços a taxa de mortalidade de menores de cinco anos (ponto 4); se reduzisse em três quartos a taxa de mortalidade materna (ponto 5); se combatesse o HIV/SIDA, a malária e outras doenças (ponto 6).
Relativamente a estes ODM, a leitura que o médico representante da UNICEF, Frederico Brito faz é de que há muito por ser feito no que diz respeito a situação da gestante no país. Frederico aponta que dos ODM relacionados a saúde materno-infantil, apenas um foi alcançado que é o ponto 4, uma vez que, as estatísticas apontam que anteriormente, 200 entre 1000 nascimentos não conseguiam atingir os cinco anos de vida, e actualmente houve uma redução significativa, de 200 para 97.
Como principais causas das falhas no cumprimento dos restantes ODM nessa matéria, Frederico Brito critica a falta de foco do Governo na promoção e execução dos pontos traçados pois, ele entende que “as políticas existem, falta apenas investir com seriedade e procurar perceber quais são as áreas vitais na sociedade.”

O representante da UNICEF traz como exemplo a seguinte situação: “se o centro de saúde lá da vila for melhorado, mas a estrada que leva os pacientes até lá continuar esburacada é óbvio que não haverá nenhum avanço. Portanto, para que haja melhorias efectivas na saúde é necessário que seja feito um trabalho intenso em todas as áreas vitais e passe também pela sensibilização da população, fazendo-lhe perceber as coisas e a importância dessas mesmas coisas para si.”
Uma vez esgotado o prazo dos anteriores ODM e não cumprida boa parte das metas, foram lançados novos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, cujo prazo vai até 2030. Segundo analisa o médico representante da UNICEF, estes novos objectivos carregam um núcleo muito distinto dos anteriores, pois estes não estão focalizados nas consequências e sim na prevenção, preocupando-se não sobre como reduzir os danos (como por exemplo é exposto no ponto 4 do ODM), mas sim como se pode evitar que se chegue a fase do problema. No entanto, o médico recorda que é necessário que os governos ponham com maior urgência todas estas políticas em funcionamento, de modo a evitar perdas de vidas humanas e outros danos para as populações, pois o estado de gravidez é uma fase muito delicada e que quando não respeitada pode ter consequências graves.

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