Os jornalistas e os riscos da cobertura partidária: uma análise da orientação temática da produção noticiosa no período da pré-campanha das eleições gerais de 2014


Ernesto Nhanale(*1)

Para a análise da pré-campanha eleitoral, elegemos como variável de análise a orientação temática da cobertura feita. Dez meios de comunicação analisados, nomeadamente, os Jornais Notícias, Diário de Moçambique, Opais, Savana, Zambeze, Domingo, Magazine Independente, Canal de Moçambique, A Verdade e Rádio Moçambique (RM)(*2) , no período de 20 a 31 de Agosto, foi recolhido um total de 38 artigos, abrangendo actividades de pré-campanha de 05 dos 30 partidos e movimentos políticos concorrentes às eleições.

Segundo a tabela abaixo, o partido Frelimo foi o que teve o maior número de artigos publicados, durante a pré-campanha, seguido do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), depois da RENAMO; depois, o Partido para Paz, Democracia e Desenvolvimento/Aliança Democrática e Partido do Progresso do Povo de Moçambique. O resto dos partidos e movimentos não tiveram nenhuma aparição na imprensa, neste período.

Por outro lado, dos dez meios analisados neste período, somente 07 (Notícias, Opais, Savana, Zambeze, Domingo, Magazine Independente e Rádio Moçambique) tiveram atenção em questões eleitorais. A tabela 2 permite visualizar a distribuição dos artigos analisados pelos sete meios analisados, neste período.

Destes artigos, foi feita a análise do enquadramento temático dado pelos jornalistas à cobertura dos partidos políticos. Vamos, em primeiro, definir e apresentar a variável de enquadramento temático na cobertura eleitoral.
O enquadramento das matérias é uma das variáveis usadas em diversas análises de cobertura de campanhas eleitorais, sobretudo nas que mais se preocupam com o tipo de construções que os jornalistas fazem dos assuntos. De acordo com Norris e Patrick , os enquadramentos podem ser classificados em 4 categorias: corrida de cavalos, personalista, temático e episódico.

O enquadramento “corrida de cavalos”/estratégico ocorre quando a cobertura dá enfoque à posição dos candidatos na disputa ou às suas estratégias para manter ou modifica o quadro de concorrência. Chama-se por vezes por cobertura estratégica, usando a metáfora de jogos, onde os candidatos apresentam-se como ganhadores ou jogadores que reportados, muitas vezes, em sondagens de opiniões. Quando a preocupação do jornalista é focalizar as características pessoais do candidato, o enquadramento é chamado personalista. O enquadramento episódico é o que dá mais enfoque às ocorrências do dia-a-dia da campanha; e o enquadramento temático situa-se no âmbito de debates a respeito de propostas apresentadas pelos candidatos.
Para além destas quatro categorias, foi acrescentada mais uma, o enquadramento dramático. A televisão mede-se muitas vezes pelo espectáculo, envolvendo situações de conflito. O enquadramento dramático resulta, muitas vezes do valor notícia de construção chamado drama. Segundo Traquina (2007), a dramatização tem sido um elemento que ilustra as controversas dos políticos, uns acusando os outros, fazendo enfoque ao lado conflitual e emocional da “estória”.

Neste período de pré-campanha, grande parte dos artigos publicados tiveram uma orientação mais de corrida de cavalos, ilustrando os espaços e o protagonismo que os partidos iam assumindo. Esta tendência de cobertura foi também alimentada por algumas sondagens de tendência de voto realizadas, durante os momentos da pré-campanha. Também é preciso realçar o facto de esta categoria ter muitos artigos classificados, não pela conta da sondagem eleitoral, mas por várias citações e menções comparativas feitas pelas fontes de informação da vitória dos candidatos, algo que também poderia ser classificável na cobertura episódica.

Exemplos de Cobertura Corrida de Cavalos:
“ No distrito de Katembe, Filipe Nyusi ganha com 65 por cento, dos 63 inquiridos, contra 21 por cento de Daviz Simango e quatro por cento de Afonso Dhakama” (Jornal Notícias de 26, Agosto de 2014)
“ Em Inhambane a situação política é favorável à Frelimo e o seu candidato Filipe jacinto Nyusi”, (Jornal Notícias de 29, Agosto de 2014)
“Corrida de cavalos nota: a fonte fala de informação fala do objectivo da campanha e cita a vitória expressiva do partido e seu candidato. Sendo que há falta de coesão entre o Intro dado pelo jornalista e as palavras da fonte” (Rádio Moçambique, 28 de Agosto de 2014).

Num segundo plano, encontra-se a cobertura episódica, ilustrando os preparativos e apoios do lançamento da campanha eleitoral pelos partidos políticos, sobretudo do candidato da FRELIMO.

Exemplos de Cobertura Episódica:
“Avolumam-se diariamente, pelo país, as iniciativas de apoio de candidato do partido da Frelimo, Filipe Jacinto Nyusi, às eleições presidenciais de 15 de Outubro próximo. Na cidade de Maputo, os dirigentes da Associação Anyusi estiveram ontem envolvidos numa jornada de acção social e de angariação de mais membros para a agremiação, na Praça 25 de Junho, num evento, que visou os polidores de viaturas da baixa capital e as vendedoras de porto de Maputo” (Noticias, 2014-08-21)

“O candidato presidencial da Frelimo às eleições presidenciais de 15 de Outubro, Filipe Nyusi, manifestou, semana finda solidariedade com os mineiros moçambicanos, que trabalha nas minas de Maricana, região sul-africana de Rustenrere, e garantiu que eles estarão na sua agenda de governação” (O País, 2014-08-24)

“está tudo aposto para o arranque da campanha” ( Rádio Moçambique, 29-08-2014)

“fala-se do que será a campanha da Renamo a partir de Domingo” (Rádio Moçambique, 30-08-2014)

A cobertura temática foi também muito destacada na pré-campanha do candidato da Frelimo. O mesmo ocorreu em relação à cobertura personalista que, no caso particular, no Savana teve uma tendência de destacar a personalidade dos outros candidatos às presidenciais, buscando algumas análises comparativos dos perfis.
De uma forma geral, pode-se notar na semana da pré-campanha pouca cobertura. Mesmo sem ser objecto de análise, com uma tendência de “positivização” da Frelimo e do seu candidato, sobretudo nos jornais Notícias e na Rádio Moçambique, conforme iremos mostrar no nosso próximo número, onde iremos explorar a variável de orientação da cobertura entre positiva, negativa e neutra.
Esperamos que nos acompanhe, semanalmente. No final, com o relatório global da cobertura da campanha eleitoral.

(*1) Pesquisador do CEC e coordenador do Observatório da Cobertura Eleitoral de 2014 realizada pelo CEC e o SNJ.
(*2) este período, não foi inclusa a análise ao conteúdo das televisões, devido às dificuldades de acesso aos materiais produzidos.

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