Participação de mulheres no “Pontos de Vista”, decisão política ou editorial?

O programa “Pontos de Vista” pertencente ao grupo SOICO (STV), é um dentre os vários programas informativos em que são debatidos os mais diversos assuntos ligados a nossa sociedade a nível político, económico e social sob apenas um ponto de vista, o dos homens.

Transmitido somente aos Domingos, o programa é apresentado pelo jornalista Jeremias Langa, que modera um debate entre três convidados ligados aos partidos políticos que compõem o parlamento moçambicano, Frelimo, Renamo e MDM.

O debate tem como comentadores fixos os deputados Feliz Sílvia[1] da Frelimo, António Eduardo Namburete da Renamo, Lutero Simango do MDM. No caso de impossibilidade dos comentadores residentes para comparecer ao debate os deputados residentes são substituídos por outros. O deputado Eduardo Namburete já foi substituído pelo deputado António Muchanga e Ivan Mazanga e o deputado Lutero Simango é actualmente substituído pelo também deputado Silvério Ronguane.

O programa “Pontos de Vista” existe desde 2014  contando apenas com dois painelistas (os jornalistas  Fernando Lima  e Tomás Viera Mário que  também  é jurista) mais tarde teve como painelistas os jornalistas (Salomão Moiane e Ercino de Salema que é igualmente jurista). Desde o inicio do debate o mesmo foi sempre moderado e apresentado por um homem, o jornalista Jeremias Langa.

  O debate foi ao ar pela primeira vez em 2020 no dia 19 de Janeiro, só neste ano, o programa já foi transmitido 29 vezes sem no entanto apresentar uma mulher como convidada.

Percebe-se que este programa começou tendo apenas jornalistas e juristas como convidados e actualmente apresenta apenas deputados como painelistas. No entanto, a questão que se coloca aqui é  a seguinte será que não existem mulheres jornalistas, juristas ou deputadas capazes de opinar sobre os assuntos debatidos no programa Pontos de Vista ?”

O deputado Eduardo Namburete que também é um dos painelistas deste programa, para além das suas actividades políticas é activista de género e pesquisador de jornalismo, comunicação e media, defendeu que, para que haja equidade na mídia, “os jornalistas devem perceber que todos os assuntos envolvem homens e mulheres” extracto do relatório da IREX Moçambique  em 2012 sobre Mídia e Género,.

De acordo com Namburete, este é um problema originado da socialização onde se enraizou a ideia de que os homens dominam alguns assuntos melhor que as mulheres. “o grande problema é que da mesma maneira que a sociedade ainda não ultrapassou esta barreira de pensamento, a comunicação social também não” disse o deputado aos jornalistas do .

Várias organizações da sociedade civil já promoveram formações em género para os jornalistas, contudo a exclusão das mulheres em programas de debate sobre política, economia e desporto continua vigorosa.

No mesmo relatório da IREX Moçambique, a activista dos direitos humanos, Benilde Nhalivilo, disse que devia-se incidir mais sob as lideranças, os gestores de mídia e sob os editores de modo a que garantam a equidade de género.

O programa “Pontos de Vista” tem como editor um homem, o jornalista Jeremias Langa, que modera um debate entre  três  homens. Se de acordo com Nhalivilo, o foco deve estar nas lideranças ou nos editores, qual é o papel dos mesmos na  garantia da equidade de género neste debate?

Uma outra questão que se levanta após uma  análise deste programa  diz respeito a responsabilidade pela escolha dos convidados do mesmo. Será esta escolha feita pelo jornalista ou pelos partidos políticos?

O facto é que o parlamento moçambicano não é só constituído pelos 147 homens (94 da Frelimo, 44 da Renamo e 6 do MDM) mas também, por  103 mulheres das quais 87 são do partido Frelimo e 16 da Renamo. No entanto nenhuma delas compõe o painel do programa Pontos de Vista. Será que as mulheres não podem defender bem os posicionamentos dos seus partidos?

É um facto que nos partidos políticos a voz dos homens é sempre a mais privilegiada em  cargos de tomada de decisão. Por exemplo a nível das comissões de trabalho na Assembleia da República, a voz dos homens era a mais privilegiada visto que de um total de 8 comissões de trabalho na XIII Legislatura, os homens ocupavam o lugar de relator em 7 e as mulheres em apenas uma (5ª Comissão de Defesa e Ordem Pública). Sublinhe-se que esses são dados de uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos interdisciplinares de Comunicação, CEC em 2019.

No novo figurino da AR, os homens continuam a ser privilegiados em detrimento das mulheres para ocupar o cargo de relator. Na IX legislatura o cenário se repete a legislatura passada, visto que há apenas uma  mulher ocupando a posição de relatora, (Maria Angelina Enoquena) na terceira Comissão, a Comissão de Administração Pública e Poder Local.

Notamos desta análise que o que sucede nos partidos políticos repercuti-se na mídia. No que diz respeito a diversidade de fontes em género na mídia, o pesquisador Eduardo Namburete identificou um outro problema que concerne ao  facto da maior parte dos dirigentes nacionais ser do sexo masculino, o que aumenta as chances de que o jornalista recorra a um homem como única ou principal fonte de informação.

Contudo, a fonte acrescenta que isto não justifica a falta de pluralidade das fontes pois é preciso multiplicar as fontes e diversificá-las, podendo essa diversidade ser em idade ou em sexo, pois só assim é que se cria uma boa história ou um bom debate.

É, no entanto, impossível identificar uma  diversidade em género no programa “Pontos de Vista” visto que o mesmo não apresenta nenhuma mulher, apesar de existirem 103 deputadas na AR.

A sua ausência do programa Pontos de Vista deixa entender que pode haver uma percepção de que nenhuma delas é competente o suficiente para representar o seu partido no programa. Este programa é totalmente diferente do programa “Opinião no Feminino”  um debate informativo  da STV que para além de deixar claro que se trata de um debate entre mulheres, é apresentado por um homem, garantindo assim uma diversidade de género.

Por Alexandrina Arnaldo

[1] Em substituição do deputado António Boene que preside a primeira comissão da AR desde Janeiro de 2020.
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