Por um parto mais seguro, MISAU Proíbe Parteiras Tradicionais De Assistir Partos Domiciliares

Nesta reportagem, conheça os saberes e o dilema das parteiras tradicionais na Cidade de Maputo.

O saber e o ofício das parteiras tradicionais, apesar de invisíveis nas cidades ainda são vistos hoje como uma alternativa na saúde da mulher e criança nas zonas rurais, cujo acesso à assistência médica é limitado. A maioria delas não sabe ler nem escrever, transmite seus saberes oralmente de mãe para filha, avó para neta, cunhada para concunhada ou simplesmente de geração em geração. São mulheres domésticas, agricultoras porém, detentoras de um conhecimento bem peculiar nos tempos modernos.

De acordo com a Assessora do Departamento de Saúde da Mulher e Criança, Elsa Jacinto em Moçambique existem aproximadamente 6.200 parteiras tradicionais. A maioria delas encontra-se na província da Zambézia (1064), seguido de Nampula (1028), Cabo Delgado (575), Inhambane (523). Na província de Maputo existem 401 parteiras tradicionais, Maputo Cidade 39 das quais 16 encontram-se nos distrito municipal Ka Tembe e 23 no Ka Nyaka. Essas mulheres  possuem um saber empírico e milenar. Assistem domiciliarmente a outras mulheres  durante a gestação, parto, prestando também os primeiros cuidados aos recém-nascidos. Por actuarem em zonas rurais, onde a população é carenciada e por acreditar que o seu ofício seja um dom Divino, não cobram pela assistência, bastando apenas reconhecimento e agradecimento.

Grupo de parteiras tradicionais do distrito municipal Katembe (Cidade de Maputo) em reunião mensal

Saberes das parteiras tradicionais e os impactos para a saúde materno-infantil

Ana Macuani de 57 anos, doméstica, residente no bairro de Cumbeza no distrito de Marracuene é uma delas. A sua trajectória como parteira tradicional começa depois de ter tido  seus dois filhos pelas mãos da mãe, e sempre que esta fosse assistir a um parto Macuani ia junto. Macuani conta que já realizou seis partos, dos quais quatro foram com a sua vizinha Salmina Xiwindze. Embora tenham vindo ao mundo pelas mãos de uma parteira tradicional, todos nasceram e continuam saudáveis.

Salmina Xiwindze, doméstica de 34 anos justifica que as dificuldades económicas e a ausência de maternidades em Cumbeza foram os motivos que a levaram a dar a luz em casa, porém, mostra-se satisfeita por ver os filhos (um de 15 e outro de 3anos) crescerem com saúde e, como forma de agradecimento, atribuiu a um dos filhos o nome da parteira Macuane. Um dos filhos é chara da parteira.

Procedimentos para evitar infecções durante o parto

Expectativas, ansiedade, medo, preocupação,  planeamento, são alguns  aspectos que surgem quando se gera uma vida. Toda mulher grávida vive variedades de sentimentos na esperança de que seu bebé venha ao mundo tranquilo e sem sofrimento. Em fim, que o mesmo esteja e seja saudável.

Aliás, esta tem sido uma das razões que leva a que muitas mulheres optem por acompanhamento pré e pós-natal nas unidades sanitárias ou clinicas privadas, ainda que tenha implicações financeiras.

Uma das formas de prevenir infecções tanto na mãe como no bebé, é “ medir três dedos acima da barriga e cortar o cordão umbilical com uma lâmina nova fervida em água limpa, depois dobrar uma linha de coser quatro vezes até ficar grossa, em seguida fervê-la para amarrar o cordão umbilical”, revelou Macuani

Parteiras no acompanhamento pós-parto

O trabalho das parteiras tradicionais não termina no parto. O fornecimento de medicamentos, constituídos maioritariamente por ervas, raízes e folhas para cuidados pós-parto também faz parte das responsabilidades da parteira. Para receitar é preciso conhecer tais medicamentos. Adélia Fabião, residente do bairro Incassane, distrito municipal Ka Tembe, que se tornou parteira por curiosidade, os conhece.

A fonte revela que obteve os conhecimentos à partir do convívio com uma cunhada curandeira. Embora saiba mencionar os nomes dos remédios em changana, Adélia Fabião destacou o “Muzo ya wethy e Txenlelo”, o primeiro que na língua portuguesa significa remédio da lua e, é feito á base de raízes.

 Aos  55 anos, Adélia Fabião é agricultora e mãe de seis filhos. O parto dos primeiros três foi feito no hospital, e porque Adélia pôde acompanhar os próprios partos, os partos dos três outros filhos foram feitos em casa, pela própria gestante. Além dos próprios partos, Adélia já assistiu a outros cinco, tendo registado algum problema apenas com a última parturiente, que não libertou o habitual corrimento sanguinolento.

A parteira conta que após o bebé ter nascido, o enrolou com uma capulana e o colocou de lado para atender a mãe que não libertava o corrimento. De imediato, a parteira massageou a região do útero, posteriormente foi ao mato buscar algumas ervas. “Pilei as ervas e coloquei uma parte no copo com água e outra na peneira. A mulher deve beber  o remédio de joelho enquanto a parteira efectua os movimentos com a peneira,  de seguida a sujidade sairá sem precisar forçar”,  revelou.

As parteiras acima referenciadas, dizem que na actualidade dificilmente aceitam assistir um parto, pois segundo elas o MISAU proíbe.

Adélia Fabião à direita demostrando como peneirou o remédio para salvar sua parturiente

Posicionamento do MISAU em relação ás parteiras tradicionais

O parto realizado por parteiras tradicionais foi considerado normal por muito tempo, no entanto depois da independência de Moçambique, por motivos de segurança e salvaguarda da vida mãe e do recém-nascido, estas passaram a desempenhar um outro papel, tal como afirma Elsa Jacinto, assessora do departamento de Saúde da Mulher e Criança. “Hoje, as parteiras tradicionais são tidas como parceiras do MISAU e funcionam como activistas.

Estão proibidas de fazer  partos domiciliares senão em situações de emergência, ou seja, caso não haja mais tempo ou transporte para chegar a maternidade mais próxima. E o dever delas é encaminhar as mulheres grávidas para as maternidades de modo a terem um parto institucional”, disse. Segundo Elsa Jacinto, as parteiras tradicionais são capacitadas e treinadas anualmente para evitarem casos de hemorragia pós-parto nas poucas situações ocasionais que forem a actuar.

Facto é que, com a proibição, as parteiras não recebem o material necessário para a realização do parto, mas oferecemos misoprostol, comprimidos para elas darem as parturientes sempre que realizarem um parto ocasional, antes que ocorra uma hemorragia”, acrescentou.

E ainda, segundo Elsa Jacinto, as parteiras tradicionais reuninem˗se nas unidades sanitárias, todos os meses para fazer a avaliação mensal, onde cada uma faz o relatório do trabalho desenvolvido. Por sua vez, as unidades sanitárias encaminham para o MISAU.

No entanto entrevistadas pelo Media Femme, as parteiras tradicionais desmentem a disponibilização do comprimido referenciado pela assessora. Ilda Titos de 63 anos e Alice Tembe de 60 anos residentes na Ka Tembe, nos bairros de Incassane e Inguide respectivamente, são exemplos de mulheres que se beneficiaram da capacitação. A primeira é agricultora e a segunda é vendedora de peixe. Elas contam que funcionam como agentes de saúde comunitária e, que por vezes tem de abandonar as suas actividades produtivas para auxiliarem as unidades sanitárias.

Dentre várias missões, tem de conhecer todas as mulheres grávidas das suas comunidades, encaminhá-las ao hospital para as consultas pré-natais, acompanhá-las a maternidade no dia do parto e visitar os doentes.

Ilda Titos aprendeu o oficio com a mãe, no entanto não lembra mais o número de partos que realizou, sabe apenas que passou de 30. A fonte conta que no início das capacitações o MISAU disponibilizou para todas as parteiras um kit para o parto, porém “em 2016 iniciaram com as proibições e mandaram-nos que devolver”, acrescentou.

Como consequência disso, Alice Tembe diz que quando surgem mulheres que entram em trabalho de parto de noite ou mesmo a caminho da maternidade são obrigadas  fazer o parto sem o devido material.  Por via disso, há parteiras que aconselham as parturientes a comprarem pelo menos, lâmina e linha e deixarem em casa, para caso de eventualidades.

Ambas revelaram, por unanimidade, que fazem o trabalho por gosto, no entanto, para cobrir as suas dificuldades financeiras gostariam de ganhar algum subsídio por parte do MISAU, com quem fazem este trabalho de forma oficial. Trata-se de uma possibilidade que pode se considerar descartada, a olhar pelas declarações da assessora do departamento de Saúde da Mulher e Criança que ressalvou que o MISAU não tem nenhuma intenção de remunerar as parteiras, senão oferecer capulanas, lenços, bonés, capa de chuva e num futuro disponibilizar-lhes botas e crachás”.

Para além de falta de salário Alice Tembe ( à esquerda) clama por melhores condições de trabalho

Embora não sejam prestigiadas como desejam, as parteiras tradicionais continuam a desenvolver várias actividades em prol da saúde materno-infantil, considerando que segundo o jornal O País, a capacidade de partos institucionais em Moçambique que é de apenas cerca de 70%, sendo que os restantes cerca de 30% acontecem fora das maternidades. E dados estatísticos do Departamento de Saúde da Mulher e Criança, só no primeiro semestre de 2018 por exemplo, a província de Maputo registou 791 partos tradicionais, tendo sido 362 em Maputo cidade e 429 em Maputo província.

 

 

Por Imelda Trinta

“Sempre mandam-nos aguardarˮ Mães de filhos com necessidades especiais enfrentam dificuldades no acesso à educação

Um dos maiores desafios que Moçambique enfrenta é o acesso à educação, tendo em conta que mais de 40% da população é analfabeta, este desafio agrava-se quando se trata de pessoas com Necessidades Educativas Especiais, uma condição que não só afecta as a elas, mas também as suas famílias que se vêm obrigadas a travar uma luta diária para conseguir autonomia dos filhos e garantir melhor qualidade de vida.

De acordo com dados fornecidos pelo Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), existem em Moçambique 164.876 crianças e jovens com algum tipo de deficiência, dos quais 103.276 são menores de 14 anos e apenas 47,6% dessas crianças estão no ensino primário e secundário. Apesar de o Ministério ter estratégias com vista a criar condições necessárias para a educação inclusiva e desenvolvimento das crianças com deficiência, ainda existem muitas famílias que têm filhos com alguma necessidade educativa especial, que nunca frequentaram a escola. Este é o caso de Joaninha (17), a quarta de um total de sete filhos da dona  Rosa Salama (47).

Rosa Salama conta que aos dois anos, a filha começou a adoecer com muita frequência, tendo até sido internada cinco vezes, mas dona Rosa nunca era informada sobre a real doença da filha. “Quando ela adoencia, eu a levava sempre ao Hospital Central [ de Maputo] e na época os médicos diziam tratar-se de anemia. Passado algum tempo começou a ter dificuldades na fala e o seu crescimento era fora do padrão. Hoje, com 17 anos aparenta uma criança de 10”, lembra a mãe da adolescente, que conta ainda que a menina nunca teve contacto com a escola apesar de certa vez ter tentado inscrevê-la numa escola próxima. “Pediram que aguardasse, e nunca fui chamada. Acabei optando por deixá-la em casa, mas ainda sonho vê-la a estudar.”

Aos 17 anos, Joaninha passa o dia inteiro em casa a fazer algumas tarefas domésticas e a brincar com os amigos que a ensinam a contar. A mãe fala orgulhosa que a menina sabe contar até dez.

Maria José (14) tem uma história oposta à da Joaninha, pois, graças a persistência do pais ela frequenta a escola. Maria foi diagnosticada cegueira aos 3 anos. Depois de várias tentativas em inserí-la numa escola, apenas aos 10 anos foi aceite numa que a mãe, Ester Sithole – que nunca pensou em inscrevê-la numa escola especial – considera reunir condições para que a filha possa estudar em pé de igualdade com as outras crianças aparentemente sem nenhuma deficiência. “Acredito que o facto dela estar numa escola regular constitui vantagem porque não é diferente de outras crianças, só precisa de mais atenção e ela nunca reclamou de exclusão, muito pelo contrário, os colegas a apoiam sempre, também acredito que numa escola especial a evolução dela seria mais lenta”. Hoje, com 14 anos e a frequentar a quarta classe, Maria é uma das  melhores alunas da turma e motivo de orgulho para os pais que garantem que apesar das dificuldades, continuarão a empreender o máximo de esforço para que a filha frequente a escola.

Confrontada sobre o caso das duas mães, a Chefe do Departamento de Educação Especial do MINEDH , Maria Luisa Manguana assegurou que todas as escolas são instruidas a receber os alunos com qualquer tipo de necessidade e orientadas a reportar aos Serviços Distritais da Educação, Juventude e Tecnologia e estes, por sua vez, à Direcção Provincial da Educação e Desenvolvimento Humano para capacitar os professores a atender esses alunos.

Ao nível das comunidades rurais, vários factores contribuem para que as pessoas com necessidades educativas não frequentem a escola, entre elas superstição tal como afirma Nacima Figia, Especialista em Educação, na Save the Children International em Moçambique (SCiMoz) . “Geralmente, as famílias que têm uma pessoa com necessidades especiais alegam que a deficiência é decorrente de espiritos dos antepassados que não queriam o nascimento da criança ou a mãe não foi abençoada, e recomendam que a criança não seja aceite. Já nos deparamos com casos de pessoas presas em árvores ou dentro de casa, que recebem comida pela janela. Isso causa um indescritível sofrimento a essas pessoas”. Para reverter este cenário a SCiMoz levou a cabo um trabalho de sensibilização ao nível das comunidades sobre a existência de diversas doenças, no sentido de fazer perceber  que não se trata de nenhum castigo ter uma criança especial, e que não razão de isolar essas pessoas.

O processo de ensino à criancas com NEE’s

Segundo o MINEDH, todas as escolas estão preparadas para atender alunos com NEEs, visto que no curso de formação inicial de professores existe a disciplina de psicopedagogia, na qual são abordados aspectos inerentes ao atendimento às NEEs, porém não na sua plenitute.

Alberto (nome fictício), professor da Escola Secundária Josina Machel, em Maputo, que tem algumas turmas especiais falou ao MediaFemme das dificuldades em dar aulas à alunos com NEEs, pois, ao que conta, os professores não recebem nenhuma formação específica para lidar com estes alunos.

Aqui a maioria dos alunos com NEEs é surda e muda, e temos alguns com as duas deficiências. Mas temos também alunos com distúrbios mentais. Na primeira vez que tive contacto com eles não sabia nada da língua de sinais. Desta forma torna-se difícil o processo de ensino e aprendizagem”.

No entando, de acordo com Maria Luisa Manguane, desde 1998, alunos com NEEs são atendidas em escolas de referência como a Secundaria Josina Machel  e os professores eram capacitados a atender à diversidade educacional na turma inclusiva, porém, por conveniência de serviço (transferência,  para ocupação de posto de trabalho na mesma categoria por razões imperiosas e interess e público) ou reforma dos professores capacitados, estes quadros foram transferidos para outras escolas ou passaram a desempenhar outras funções. Entretanto, para inverter o cenário actual das escolas de referência, tendo como base a Escola Secundária Josina Machel, o Departamento de Educação Especial disponibilizou um técnico e um professor de Educação Especial que estão a trabalhar com alunos surdos e mudos da 8ª, 9ª e 10ª classe, 90 minutos por semana em cada classe, com vista à promoção do desenvolvimento do vocabulário da Língua de Sinais naquele nível de ensino.           

A concordar com o professor Alberto, Eriqueta Tamela, professora da Escola Especial  Cerci Maputo, que trabalha apenas com crianças com NEEs, com particularidade para doenças mentais considera haver necessidade de uma formação específica para lidar com essas crianças. “Infelizmente, as formações não abrangem muito a questão diferentes tipos de necessidades, só se fala que é deficiente.            Os professores não estão habilitados a saber, por exemplo, o que é um autista, quais são as dificuldades, os sintomas que vão permitir saber se esta pessoa tem determinada necessidade, qual é a sua área de inclinação, tendo em conta a suas dificuldades” lamentou.

Nacima Figia, da SCiMoz, por sua vez, considera haver um esforço no que diz respeito à inclusão em Moçambique, pois sempre houve uma preocupação na integração na escolas a crianças com NEEs, no entanto, concorda que haja necessidade de mais atenção relativamente à preparação dos próprios professores,  “Hoje em dia, nos currículos e também na formação há a observância da questão de NEEs, porém, em termos práticos existem  limitações tais como não saber lidar com as crianças, pois isso requer, primeiramente, saber distiguir o tipo de necessidade que essa criança tem, bem como o facto dos professores não terem estratégias para gerir turmas numerosas e a falta de material didácticoˮ.

Turmas volumosas como um dos factores que dificultam a inclusão

O rácio aluno/professor em Moçambique (57 alunos por professor) continua acima da média do que é recomendado pela UNESCO que é de 40 alunos por professor, facto que os professores consideram um obstáculo à inclusão, pois,  na sua opinião, pode trazer implicações como a fraca interação, bem como a insatisfação das necessidades académicas dos alunos, o que vem a contribuir para a fraca inclusão tal como afirma Eriqueta Tamele. “Por vezes não é a falta de preparo do professor, vejamos o caso de um professor para  50 alunos dos quais dois têm NEEs, a dado momento o professor fica frustrado porque está a passar uma informação que só um grupo está perceber e ele acaba se aliando ao maior grupo. Os outros ficam à deriva porque no final do ano têm que apresentar resultadosˮ, referiu Eriqueta, que considera que a pessoa com NEE’s tem que estar próximo ao professor para melhor controle, pois, nem sempre tem capacidade de aprender a ler e escrever, e nesse caso o professor deve  procurar descobrir a inclinação do aluno e trabalhar neste ponto.

Estratégias com vista  melhorar a inclusão no país

Para melhorar a qualidade do processo de inclusão em Moçambique, o MINEDH aprovou a estratégia de Educação Inclusiva e desenvolvimento das crianças  com dificiência, (2012-16 que foi estendido para 2019), que contém cinco áreas de intervenção  com vista promover um sistema educativo inclusivo, eficaz e eficiente que garanta que as pessoas  adquiram competências requeridas a nível de conhecimentos, habilidades, gestão e atitudes que respondam às necessidades de desenvolvimento humano.  Segundo a Chefe do Departamento de Educação Especial do MINEDH, Maria Luisa Manguane,  para concretizar essa estratégia criou-se um grupo de implementação “este grupo visa harmonizar as respostas multissectoriais que irão envolver alguns ministérios como, Saúde, Acção Social, Trabalho, Emprego e Segurança Social, de modo que as crianças possam ir a escola e depois da sétima classe aprendam algo para se tornarem independentes”.

Para a articulação dessas iniciativas, conta-se com  serviços promovidos e dinamizados por associações de/e para pessoas com deficiência e ONGs para uma completa inserção comunitária das práticas inclusivas. É o caso da Save The Children que trabalhou com o sector da saúde como forma de identificar crianças com NEE’s e ver que necessidade abrangia maior número de crianças, neste caso, a audição  e visão. Foram capacitados professores e oferececidos materiais como máquinas braille em algumas escolas de Manica e Gaza.

Além do Ministério da Saúde, o projecto envolve o Ministério  da Educação e o da Acção Social, no apoio e atendimento às crianças com vista a facilitação em termos de inserção e sensibilização dos professores  no contexto escolar. O projecto surtiu efeitos positivos pois as famílias sensibilizadas levaram os filhos à escola. De referir que segundo o MINEDH existem no país 8 escolas especiais e 177 escolas primárias e secundárias inclusivas.

No entanto, além do preparo dos professores para lidarem com diferentes tipos de NEE’s, há uma necessidade de criação de um centro de avaliação das aptidões dessas crianças como forma de perceber se a criança tem condições de aprender numa escola regular ou deve estar numa escola especial.

Mulheres gestantes: nove meses de injustiça, fadiga e humilhação

A incongruência entre as leis que protegem as mulheres gestantes e a realidade que estas vivem no seu quotidiano, fazem da gravidez um novo ciclo de luta pelos direitos da mulher. Foliana e Maria, são um exemplo desta batalha.“…Pus a minha saúde em risco. Até tive problemas com a minha família, mas não podia cruzar os braços, tinha que lutar e buscar o pouco que ganhava para ajudar o meu marido.”

Dar à luz é um processo biológico natural que só a mulher tem a oportunidade de vivenciar. Durante nove meses carrega consigo uma nova vida, um momento em que a alegria e o privilégio de poder gerar um novo ser dilui-se com desrespeito e a consciência da sua vulnerabilidade. Embora seja uma experiência única, nem sempre decorre em condições adequadas.
Foliana Mateus Chilenge, de 33 anos de idade é mãe de dois rapazes e espera o seu terceiro filho. Cozinheira de formação, mas há oito anos exerce a profissão de empregada doméstica, um trabalha que classifica como complicado e por isso decidiu para até que o seu filho nasça, pois as recordações que tem da sua segunda gestação não são das melhores.

 

“Eu sabia que a minha patroa não queria mais ninguém a trabalhar na casa dela e eu tinha muito medo de perder o emprego, então preferi ir trabalhar mesmo depois de ter tido um parto complicado, que foi cesariana. Pus a minha saúde em risco. Até tive problemas com a minha família, mas não podia cruzar os braços, tinha que lutar e buscar o pouco que ganhava para ajudar o meu marido.”
Em Moçambique casos como o de Foliana encontram abrigo na lei do Trabalho no ponto “Maternidade e trabalho” (artigo 12) -Licença de maternidade, que estabelece que mulheres trabalhadoras têm direito a uma licença de maternidade de 60 dias, com salário integral, pago pelo sistema de segurança social. Esta é aplicada igualmente aos nados vivos ou mortos. Caso o quadro clínico da mãe ou da criança a impeçam de trabalhar, ela tem direito a uma licença antes do nascimento por um período necessário, obedecendo a prescrição médica. A gestante tem ainda, segundo a Lei do Trabalho direito à garantia salaria, o que significa que deverá continuar a receber o seu ordenado normalmente.

Garantia salarial (Artigo 27 do Decreto 53/2007- Sobre o sistema de segurança social obrigatório para trabalhadores)

Durante o prazo da licença de maternidade (60 dias), as mulheres têm direito a prestações pecuniárias do sistema de segurança social. Embora a lei moçambicana proteja a gestante no que diz respeito a licença à maternidade e a garantia de salário durante este período, ainda se vivem muitos casos de irregularidade, como o de Foliana Mateus. Muitas vezes esses casos são derivados do desconhecimento das mulheres sobre as leis e normas que protegem o cidadão, um indicador de que o trabalho de divulgação destas mesmas leis necessita de um melhoramento.

Não só a Lei “viola” a mulher gestante, mas também a própria sociedade

“…minha chefe já teve a coragem de dizer-me que está farta de trabalhar com mulheres e que dali por diante queria trabalhar apenas com homens…”
Sentada num banco na ala de maternidade do Hospital Geral de Chamanculo junto a tantas outras, encontramos uma jovem mulher de 23 anos. Ela mostrou-se aberta a partilhar as suas experiências no que diz respeito ao universo da gestação, mas antes que a entrevista tivesse inicio pede que por questões de segurança o seu nome seja mantido em sigilo. Chamemo-la Maria Antonieta.
Maria já saboreou a experiência de ser mãe, tem uma filha de Três anos e encontra-se agora no quarto mês de gestação do seu segundo filho. Mensalmente vai a consultas inclusas no pacote pré-natal, para monitorar a saúde de seu filho.

Sobre o atendimento no hospital ela não tem nenhuma queixa, embora, segundo ela, o tratamento hospitalar a nível geral seja mau, contrariamente à maternidade, que é uma das que melhor funciona. A inquietação de Maria provem de outros fóruns, a questão profissional é uma delas.
Ela é professora na Escola Primaria Completa de Bokisso, em Maputo. Embora conheça os seus direitos enquanto gestante, ainda depara-se com situações a que considera pouco dignas para qualquer profissional. A nossa entrevistada segreda-nos que esta é a primeira vez em que tem que trabalhar estando grávida, e diz constituir surpresa para ela o comportamento de seus superiores com relação a sua gestação.

“Não há respeito. Muitas vezes tive que ‘engolir sapos’ para não perder o meu emprego, porque se quero ajudar o meu marido devo ser paciente. Nos dias em que tenho consultas submeto cartas a solicitar dispensa, mas o meu director costuma indeferir, alega que sempre submeto em cima da hora, mas isso não é verdade, é só uma desculpa para não permitir que eu saia. Hoje (dia da entrevista) por exemplo, estou cá no hospital, mas saí sem informar e posso ser descontada, porque até já sofri essa ameaça de desconto.”

Maria faz menção a episódios ainda mais dramáticos:
“Já tive situações que me deixaram mais indignada. Pensei que nós, mulheres, fôssemos apoiantes umas das outras, pois partilhamos das mesmas experiencias e dores, mas agora acho que nada mais me surpreende. Tanho uma chefe que já teve a coragem de dizer-me que está farta de trabalhar com mulheres e que dali por diante queria trabalhar apenas com homens, pois as mulheres davam-lhe muito trabalho, por estarem toda a hora grávidas. Por incrível que pareça, ela é mãe de cinco filhos.”

Mesmo Conhecendo os seus direitos, Maria diz no saber como agir perante estas situações. Por várias vezes pensou em denunciar os chefes mas, porque todos, família e colegas de trabalho temem pela sua segurança e emprego, a desincentivam. Maria decidiu manter-se em silêncio embora receie que as coisas piorem após o nascimento do filho.
“Não sei como vou lidar com a situação. O salário é pouco para pagar uma babá e também sei que devo dar leite do peito pelo menos durante os primeiros seis meses.”
No capítulo de amamentação, a Lei do trabalho, no seu artigo 11.1, estabelece que durante um ano, a mulher deve beneficiar do enfermagem breaks, uma pausa diária com a duração de uma hora, que pode ser gozada em um intervalo, tirado de uma única vez ou repartido em dois períodos ao dia. A enfermagem breaks é permitida à mulher trabalhadora de modo que possa amamentar seus filhos. Estas pausas devem ser totalmente pagas e são consideradas como tempo de trabalho.

Maria serve-se do seu próprio caso para concluir que “este instrumento [Lei do Trabalho] é inoperante.” Ela vive na cidade de Maputo e precisa de duas horas para chegar ao local de trabalho, distância percorrida com recurso a dois ‘chapas’ e um pequeno troço concluído a pé. Futuramente, ficará assim descartada a possibilidade de esta tirar a hora prevista para regressar à casa amamentar o seu bebé.

As viagens diárias da nossa entrevistada tornam-se ainda mais cansativas quando, dentro do autocarro não consegue um assento, tendo que fazer as viagens de pé. As duas mães que trazemos nesta reportagem comungam desta mesma realidade: viagens longas e nada cómodas.

A equipe do CEC escolheu um dia para acompanhar o percurso da primeira entrevistada, Foliana Mateus, que saía de Nkobe em direcção à Baixa da cidade (Anjo Voador). Tomamos um autocarro da Empresa Municipal de Transportes Públicos de Maputo (EMTPM). Eram 11 horas. O autocarro estava lotado, não havia um só assento livre. Havia passageiros de todas as idades. Foliana foi a primeira a subir, e nós seguimo-la. É regra, naqueles autocarros, entrar-se pela porta traseira e, uma vez dentro do carro o passageiro deve, a todo o custo, tentar afastar-se, pelo corredor, em direcção à porta frontal, para dar espaço aos passageiros que vão entrando ao longo da viagem. A ser feita essa leitura, pode-se calcular que durante as cerca de uma hora e meia de viagem, Foliana tenha sido vista pela maioria dos passageiros que passaram pelo autocarro, no entanto, ninguém se dignou a ceder o assento a esta senhora gestante, já com seis meses de gravidez. Ficou evidente a quebra das regras de civismo social que recomendam que se ceda assento e vaga (nas filas) a mulheres grávidas, idosos, deficientes físicos e pessoas que carreguem bebés ao colo.

Falta foco do Governo na promoção e execução dos ODM
O estado de gravidez não é sinónimo de doença, mas é motivo para se estar alerta pois é um estado de vulnerabilidade para a contracção de muitas doenças, com especial atenção para as de fundo infeccioso como a malária.
Segundo refere Olga Sigauque, do Departamento de Saúde materno-infantil do Ministério da Saúde (MISAU), o Estado tem vindo a trabalhar com vista a melhorar a situação da mulher e criança no país, buscando oferecer melhor atendimento hospitalar, plano que está relacionado ao alcance dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). O actual pacote de atendimento à mulher (pré-natal) inclui o tratamento de uma grande quantidade de doenças, sendo este composto por uma forte bateria de exames que, segundo Sigauque, nos últimos anos sofreu readaptações com a introdução do exame de HIV/SIDA que passou a ser obrigatório para as gestantes.
A saúde da mulher gestante e da criança mereceu também uma especial atenção por parte dos governos de muitos países, ao ser colocada como um dos pontos ODM anteriores, que determinavam que até 2015: se reduzisse em dois terços a taxa de mortalidade de menores de cinco anos (ponto 4); se reduzisse em três quartos a taxa de mortalidade materna (ponto 5); se combatesse o HIV/SIDA, a malária e outras doenças (ponto 6).
Relativamente a estes ODM, a leitura que o médico representante da UNICEF, Frederico Brito faz é de que há muito por ser feito no que diz respeito a situação da gestante no país. Frederico aponta que dos ODM relacionados a saúde materno-infantil, apenas um foi alcançado que é o ponto 4, uma vez que, as estatísticas apontam que anteriormente, 200 entre 1000 nascimentos não conseguiam atingir os cinco anos de vida, e actualmente houve uma redução significativa, de 200 para 97.
Como principais causas das falhas no cumprimento dos restantes ODM nessa matéria, Frederico Brito critica a falta de foco do Governo na promoção e execução dos pontos traçados pois, ele entende que “as políticas existem, falta apenas investir com seriedade e procurar perceber quais são as áreas vitais na sociedade.”

O representante da UNICEF traz como exemplo a seguinte situação: “se o centro de saúde lá da vila for melhorado, mas a estrada que leva os pacientes até lá continuar esburacada é óbvio que não haverá nenhum avanço. Portanto, para que haja melhorias efectivas na saúde é necessário que seja feito um trabalho intenso em todas as áreas vitais e passe também pela sensibilização da população, fazendo-lhe perceber as coisas e a importância dessas mesmas coisas para si.”
Uma vez esgotado o prazo dos anteriores ODM e não cumprida boa parte das metas, foram lançados novos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, cujo prazo vai até 2030. Segundo analisa o médico representante da UNICEF, estes novos objectivos carregam um núcleo muito distinto dos anteriores, pois estes não estão focalizados nas consequências e sim na prevenção, preocupando-se não sobre como reduzir os danos (como por exemplo é exposto no ponto 4 do ODM), mas sim como se pode evitar que se chegue a fase do problema. No entanto, o médico recorda que é necessário que os governos ponham com maior urgência todas estas políticas em funcionamento, de modo a evitar perdas de vidas humanas e outros danos para as populações, pois o estado de gravidez é uma fase muito delicada e que quando não respeitada pode ter consequências graves.

Sociedade Civil Avalia o Impacto dos Investimentos para as Comunidades

Embora com algumas excepções, de um modo geral, a olhar pelos relatórios divulgados pelas Organizações da Sociedade Civil que operam no país, os reassentamentos continuam a violar alguns direitos humanos e a impor desafios principalmente às mulheres e crianças, por serem as pessoas que mais tempo passam nos lares improvisados.

Durante o Seminário Nacional sobre Reassentamentos, Direitos sobre a terra e segurança alimentar das comunidades afectadas pelos grandes investimentos realizado no mês de Junho em Maputo, a Presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique, Ivete Mafundza referiu, por exemplo, que em todas as comunidades abrangidas pelos projectos Vale Moçambique, Anadarko, ProSavana e Corredor de Nacala são quase inexistentes estudos específicos de monitoria da segurança alimentar e nutricional, e a Ordem dos Advogados de Moçambique tem constatado uma série de irregularidades, queixas, ameaças e violação aos direitos fundamentais das comunidades que se manifestam de forma preocupante. “Em Marara, província de Tete, parte da comunidade de Cassoca, de pouco mais de 289 famílias afectadas pelo projecto de exploração de carvão mineral ainda não foi reassentada, não obstante o processo de reassentamento ter sido iniciado me 2010. As famílias em causa vivem num ambiente que as expõe à poluição e que periga as suas vidas. O facto de já terem transcorrido seis anos e ainda não ter sido concluído o processo deste reassentamento, revela tratar-se de uma situação injusta e motivo de justificada preocupação,” disse Mafundza.

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A batalha social e legal das mulheres na comunicação social

Desigualdade de género, assédio sexual e estigmatização são algumas das barreiras que muitas mulheres que sonham com uma carreira profissional tem enfrentado no mundo da comunicação, barreiras cujos dispositivos legais muitas vezes ignorados podem ajudar a ultrapassar.

Texto: Assmina Macuácua    Fotos: Adérito Maundze

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