Por um parto mais seguro, MISAU Proíbe Parteiras Tradicionais De Assistir Partos Domiciliares

Nesta reportagem, conheça os saberes e o dilema das parteiras tradicionais na Cidade de Maputo.

O saber e o ofício das parteiras tradicionais, apesar de invisíveis nas cidades ainda são vistos hoje como uma alternativa na saúde da mulher e criança nas zonas rurais, cujo acesso à assistência médica é limitado. A maioria delas não sabe ler nem escrever, transmite seus saberes oralmente de mãe para filha, avó para neta, cunhada para concunhada ou simplesmente de geração em geração. São mulheres domésticas, agricultoras porém, detentoras de um conhecimento bem peculiar nos tempos modernos.

De acordo com a Assessora do Departamento de Saúde da Mulher e Criança, Elsa Jacinto em Moçambique existem aproximadamente 6.200 parteiras tradicionais. A maioria delas encontra-se na província da Zambézia (1064), seguido de Nampula (1028), Cabo Delgado (575), Inhambane (523). Na província de Maputo existem 401 parteiras tradicionais, Maputo Cidade 39 das quais 16 encontram-se nos distrito municipal Ka Tembe e 23 no Ka Nyaka. Essas mulheres  possuem um saber empírico e milenar. Assistem domiciliarmente a outras mulheres  durante a gestação, parto, prestando também os primeiros cuidados aos recém-nascidos. Por actuarem em zonas rurais, onde a população é carenciada e por acreditar que o seu ofício seja um dom Divino, não cobram pela assistência, bastando apenas reconhecimento e agradecimento.

Grupo de parteiras tradicionais do distrito municipal Katembe (Cidade de Maputo) em reunião mensal

Saberes das parteiras tradicionais e os impactos para a saúde materno-infantil

Ana Macuani de 57 anos, doméstica, residente no bairro de Cumbeza no distrito de Marracuene é uma delas. A sua trajectória como parteira tradicional começa depois de ter tido  seus dois filhos pelas mãos da mãe, e sempre que esta fosse assistir a um parto Macuani ia junto. Macuani conta que já realizou seis partos, dos quais quatro foram com a sua vizinha Salmina Xiwindze. Embora tenham vindo ao mundo pelas mãos de uma parteira tradicional, todos nasceram e continuam saudáveis.

Salmina Xiwindze, doméstica de 34 anos justifica que as dificuldades económicas e a ausência de maternidades em Cumbeza foram os motivos que a levaram a dar a luz em casa, porém, mostra-se satisfeita por ver os filhos (um de 15 e outro de 3anos) crescerem com saúde e, como forma de agradecimento, atribuiu a um dos filhos o nome da parteira Macuane. Um dos filhos é chara da parteira.

Procedimentos para evitar infecções durante o parto

Expectativas, ansiedade, medo, preocupação,  planeamento, são alguns  aspectos que surgem quando se gera uma vida. Toda mulher grávida vive variedades de sentimentos na esperança de que seu bebé venha ao mundo tranquilo e sem sofrimento. Em fim, que o mesmo esteja e seja saudável.

Aliás, esta tem sido uma das razões que leva a que muitas mulheres optem por acompanhamento pré e pós-natal nas unidades sanitárias ou clinicas privadas, ainda que tenha implicações financeiras.

Uma das formas de prevenir infecções tanto na mãe como no bebé, é “ medir três dedos acima da barriga e cortar o cordão umbilical com uma lâmina nova fervida em água limpa, depois dobrar uma linha de coser quatro vezes até ficar grossa, em seguida fervê-la para amarrar o cordão umbilical”, revelou Macuani

Parteiras no acompanhamento pós-parto

O trabalho das parteiras tradicionais não termina no parto. O fornecimento de medicamentos, constituídos maioritariamente por ervas, raízes e folhas para cuidados pós-parto também faz parte das responsabilidades da parteira. Para receitar é preciso conhecer tais medicamentos. Adélia Fabião, residente do bairro Incassane, distrito municipal Ka Tembe, que se tornou parteira por curiosidade, os conhece.

A fonte revela que obteve os conhecimentos à partir do convívio com uma cunhada curandeira. Embora saiba mencionar os nomes dos remédios em changana, Adélia Fabião destacou o “Muzo ya wethy e Txenlelo”, o primeiro que na língua portuguesa significa remédio da lua e, é feito á base de raízes.

 Aos  55 anos, Adélia Fabião é agricultora e mãe de seis filhos. O parto dos primeiros três foi feito no hospital, e porque Adélia pôde acompanhar os próprios partos, os partos dos três outros filhos foram feitos em casa, pela própria gestante. Além dos próprios partos, Adélia já assistiu a outros cinco, tendo registado algum problema apenas com a última parturiente, que não libertou o habitual corrimento sanguinolento.

A parteira conta que após o bebé ter nascido, o enrolou com uma capulana e o colocou de lado para atender a mãe que não libertava o corrimento. De imediato, a parteira massageou a região do útero, posteriormente foi ao mato buscar algumas ervas. “Pilei as ervas e coloquei uma parte no copo com água e outra na peneira. A mulher deve beber  o remédio de joelho enquanto a parteira efectua os movimentos com a peneira,  de seguida a sujidade sairá sem precisar forçar”,  revelou.

As parteiras acima referenciadas, dizem que na actualidade dificilmente aceitam assistir um parto, pois segundo elas o MISAU proíbe.

Adélia Fabião à direita demostrando como peneirou o remédio para salvar sua parturiente

Posicionamento do MISAU em relação ás parteiras tradicionais

O parto realizado por parteiras tradicionais foi considerado normal por muito tempo, no entanto depois da independência de Moçambique, por motivos de segurança e salvaguarda da vida mãe e do recém-nascido, estas passaram a desempenhar um outro papel, tal como afirma Elsa Jacinto, assessora do departamento de Saúde da Mulher e Criança. “Hoje, as parteiras tradicionais são tidas como parceiras do MISAU e funcionam como activistas.

Estão proibidas de fazer  partos domiciliares senão em situações de emergência, ou seja, caso não haja mais tempo ou transporte para chegar a maternidade mais próxima. E o dever delas é encaminhar as mulheres grávidas para as maternidades de modo a terem um parto institucional”, disse. Segundo Elsa Jacinto, as parteiras tradicionais são capacitadas e treinadas anualmente para evitarem casos de hemorragia pós-parto nas poucas situações ocasionais que forem a actuar.

Facto é que, com a proibição, as parteiras não recebem o material necessário para a realização do parto, mas oferecemos misoprostol, comprimidos para elas darem as parturientes sempre que realizarem um parto ocasional, antes que ocorra uma hemorragia”, acrescentou.

E ainda, segundo Elsa Jacinto, as parteiras tradicionais reuninem˗se nas unidades sanitárias, todos os meses para fazer a avaliação mensal, onde cada uma faz o relatório do trabalho desenvolvido. Por sua vez, as unidades sanitárias encaminham para o MISAU.

No entanto entrevistadas pelo Media Femme, as parteiras tradicionais desmentem a disponibilização do comprimido referenciado pela assessora. Ilda Titos de 63 anos e Alice Tembe de 60 anos residentes na Ka Tembe, nos bairros de Incassane e Inguide respectivamente, são exemplos de mulheres que se beneficiaram da capacitação. A primeira é agricultora e a segunda é vendedora de peixe. Elas contam que funcionam como agentes de saúde comunitária e, que por vezes tem de abandonar as suas actividades produtivas para auxiliarem as unidades sanitárias.

Dentre várias missões, tem de conhecer todas as mulheres grávidas das suas comunidades, encaminhá-las ao hospital para as consultas pré-natais, acompanhá-las a maternidade no dia do parto e visitar os doentes.

Ilda Titos aprendeu o oficio com a mãe, no entanto não lembra mais o número de partos que realizou, sabe apenas que passou de 30. A fonte conta que no início das capacitações o MISAU disponibilizou para todas as parteiras um kit para o parto, porém “em 2016 iniciaram com as proibições e mandaram-nos que devolver”, acrescentou.

Como consequência disso, Alice Tembe diz que quando surgem mulheres que entram em trabalho de parto de noite ou mesmo a caminho da maternidade são obrigadas  fazer o parto sem o devido material.  Por via disso, há parteiras que aconselham as parturientes a comprarem pelo menos, lâmina e linha e deixarem em casa, para caso de eventualidades.

Ambas revelaram, por unanimidade, que fazem o trabalho por gosto, no entanto, para cobrir as suas dificuldades financeiras gostariam de ganhar algum subsídio por parte do MISAU, com quem fazem este trabalho de forma oficial. Trata-se de uma possibilidade que pode se considerar descartada, a olhar pelas declarações da assessora do departamento de Saúde da Mulher e Criança que ressalvou que o MISAU não tem nenhuma intenção de remunerar as parteiras, senão oferecer capulanas, lenços, bonés, capa de chuva e num futuro disponibilizar-lhes botas e crachás”.

Para além de falta de salário Alice Tembe ( à esquerda) clama por melhores condições de trabalho

Embora não sejam prestigiadas como desejam, as parteiras tradicionais continuam a desenvolver várias actividades em prol da saúde materno-infantil, considerando que segundo o jornal O País, a capacidade de partos institucionais em Moçambique que é de apenas cerca de 70%, sendo que os restantes cerca de 30% acontecem fora das maternidades. E dados estatísticos do Departamento de Saúde da Mulher e Criança, só no primeiro semestre de 2018 por exemplo, a província de Maputo registou 791 partos tradicionais, tendo sido 362 em Maputo cidade e 429 em Maputo província.

 

 

Por Imelda Trinta

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